Vale qualquer esforço |
Ainda em dúvida se faço um relato detalhado ou não, vou começar a escrever e o que sair saiu :-). Mais um Ironman Brasil, uma prova sempre contagiante. Cinco anos seguindos... Quantas possibilidades. Aprendi mais uma vez, se é que isso é possível, que nada é certo numa prova dessa magnitude. Mas também aprendi pela primeira vez o que é encarar uma grande adversidade dentro de um evento desse porte e como dar um jeito de continuar motivado apesar disso.
Saí do hotel que fiquei em canasvieiras para facilitar um pouco a logística familiar às 5:15. Apesar de não ser em casa, consegui descansar muito bem no sábado e dormi direito. Tinha dormido mais de nove horas de sexta pra sábado também e desci para tomar café parecendo que ia para um treino, só duas sacolas nos braços e bem tranquilo.
Chegando na área de transição arrumei as sacolas, coloquei a alimentação e demais tralhas na bike e ao encher o pneu traseiro a câmera explodiu. Levei a bike no apoio mecânico e troquei a câmera. Saí de lá até tranquilo, antes agora do que na prova, pensei. Fui com só mais um reserva mas tinha duas na sacola de percurso. Fui pra largada encontrando a galera. Parei logo na saída do doze para aquecer no mar com o Ricardo e Marcos. Depois de umas braçadas e de testar a correnteza seguimos pra largada. Achei a Daiane e a Laís com o Arthur e consegui dar um beijo na turma como faço sempre. De volta ao curral, alinhei pra largar com a Júlia e o Marcelo a uns 10 m da faixa.
Largamos e percebi que estava muito pra trás, logo me vi no meio de uma muvuca sem espaço pra nadar direito e fui achando umas brechas de água livre e encaixei um ritmo forte até a primeira boia, que contornei bem por fora, tranquilo. Depois a navegação foi toda certinha, nadei o tempo todo longe do povo e os caiaques até me avisavam pra ir pra perto do bolo, mas fiquei na minha linha reta e entrei direto no funil pra corrida até a segunda perna. Lá mirei direito de novo e já deu pra ver o povo todo espalhado pra esquerda. Fui sozinho de novo e voltei pra praia certeiro, uma obra prima de navegação, com 59 min ao pisar na areia. Coisa muito boa.
Natação bem certeira. A leve entortada no primeiro retorno foi uma correção desnecessária para a correnteza, que não estava ali. |
Fui pra transição tranquilo sem correr demais, estava com o monitor e vi que a FC estava bem alta. Comecei o pedal bem leve pra baixar o batimento e conseguir tomar água, enxaguei bem a boca da água salgada e só ali no pedágio comi um gel. Segui pro sul monitorando tudo, FC, esforço e respiração. Ou não tinha vento ou era um nordeste fraquinho. Ao fazer o retorno no sul era o nordeste acordando, voltei pra jurerê com um pouco de vento contra mas muito bem. Demais até, sempre preocupado em não forçar antes do km 140-150 pois a volta seria com vento mais forte. Fiz o retorno da primeira volta e mantive o ritmo, mas aproveitando o nordeste pra forçar onde dava.
Controlei bem a alimentação, aqui eu já acertei a fórmula: a cada 20 min gel alternado com goles de accelerade concentrado, com mais duas bisnaguinhas com geléia no meio. Além disso, água com SUUM e um kit de duas cápsulas de BCAA, uma de 100 mg de cafeína e uma de vitamina C ali pelas 4h.
Briguei com alguns pelotes na primeira volta, na beira-mar tive que dar um tiro pra escapar de um, uns 4 ou 6 me passaram e quando olhei pra trás vinha um monte de gente. Foi o ponto de batimento mais alto do pedal, só aliviei ao entrar no elevado do CIC. Depois na reta do casa design ainda pedi pra uma moto desfazer um pelote que estava na frente.
Na segunda volta estava tranquilo, quase sem trânsito. Estava voltando do sul para pegar o túnel pela última vez quando fui passar 4 caras embolados. Estava uns 3-4 m pra esquerda ultrapassando quando uma moto passou e apontou, mandando os 4 pararem. Pensei, até que enfim vão penalizar esses pelotes. Só que veio outra moto atrás pra fazer a punição, e o cara me mandou parar junto com os quatro. Sem explicação, absolutamente ridículo. Fiscal sem noção nenhuma do que é vácuo, e ainda por cima surdo. O cara não quis saber e foi me fechando com a moto até eu parar no meio fio. Discuti um monte até o sujeito ameaçar pela décima vez me desclassificar. Perguntei repetidas vezes o que tinha feito de errado, expliquei que estava ultrapassando tendo vindo lá de trás pela esquerda, e o cara só dizia que a outra moto mandou parar então ele tinha que penalizar todos.
Saí dali com uma mistura de revolta, decepção e indignação. Tomar todo o cuidado pra não passar nem perto de pelotes e levar uma penalidade errada e descabida, ficar ali sem poder argumentar nada e sair com aquele risco vermelho vexatório no número... Xinguei muito dentro daquele túnel. Entrei na beira-mar enfurecido ainda. Dez minutos provavelmente acabariam com as minhas pretensões, mas fiquei decidido a dar um jeito naquilo. Já fui perguntando pros fiscais no caminho como é que fazia pra entrar com recurso :-). Como se resolvesse alguma coisa ali... Ao descer o morro do estado finalmente me acalmei e comecei a usar a raiva pra pedalar. Soquei a bota pra valer, ignorei a FC e a perna queimando, faltava pouco.
Mas ainda tinha mais diversão, o pneu explodiu bem em frente à entrada de jurerê no km 155. Troquei e sem querer deixei cair a tampinha plástica da válvula dentro do pneu, antes de montar. Sem perceber, enchi com o CO2 e explodiu de novo. Só vi quando desmontei pela segunda vez e achei a tampa lá dentro.
Um apoio mecânico chegou sem câmera, gritei pra uns atletas passando e logo um outro staff apareceu com uma. Aí o apoio revisou tudo de novo, trocou e montou o pneu, enchi e fui embora. Voltei de canasvieiras com o nordeste nas costas feito um louco, pensando e terminar logo e começar a correr finalmente.
Pouco antes de chegar no trevo de jurerê internacional o pneu furou de novo. Inacreditável. Tentei usar o pitstop mas vazou todo o selante, o furo devia ser grande. Parei e pensei na hora que iria destruir os pés se fosse caminhando descalço os últimos 5 km. Só sei que depois de colocar duas câmeras na roda sem conseguir encher e o apoio começar a remendar a câmera, uma boa apareceu e finalmente conseguimos botar a rodar. Fiquei realmente desanimado a essa hora e quando estava chegando na T2 pensei no que o meu amigo que estava passeando e me encontrou na hora me disse: "Quisera eu estar no teu lugar"... imediatamente resolvi que iria correr pra melhorar a maratona.
Entrei na T2 puto e fui pra penalty box. Ficar lá é uma tortura chinesa. Mas o pior mesmo é ouvir os outros atletas comentando que pelo menos descansaram as pernas no pedal e agora iriam se preparar com calma pra correr. Dá vontade de socar o sujeito. Deu vontade de chorar, e acho que chorei mesmo. Fiquei tentando descobrir como fazer pra recorrer da decisão do fiscal. Quando passaram os 10 min fui pra tenda de troca andando, peguei tudo e fiquei lá sentado, botei tênis, vaselina na meia, catei tudo e fui andando. Quando vi o sol de novo respirei bem fundo e saí correndo.
Lá na baía sul a raiva passou em 5 minutos e eu resolvi focar em fazer o melhor que ainda pudesse. No primeiro pneu furado já saí trocando sem pensar em nada, e quando a câmera explodiu aí eu levei pro lado pessoal: "Ah é, quer briga ? Pode vir que eu vou andando se precisar". Não, nunca pensem em desistir nem por um só momento. Absorvam a porrada e usem isso pra seguir em frente, sempre.
Mas foi uma coisa mentalmente difícil segurar aquela decepção toda e começar uma maratona. Mas eu tinha que fazer o meu melhor nas condições que tivesse, e se eram aquelas que se dane. Segui empolgando a medida que entrava na búzios e fui até os morros num ritmo acima do previsto, querendo socar a bota. Só subi o morro da igrejinha andando, o resto corri tudo. Fechei a primeira volta num pace de 4:51 e realmente comecei a ficar com as pernas pesadas, aliviei pra não quebrar muito feio depois.
Consegui manter alguma coisa razoável até abrir a última volta. Ali passa tanta coisa pela cabeça que é difícil explicar. Vem os treinos pesados, as coisas que abrimos mão. Lembrei da natação perfeita e fiquei feliz, lembrei da penalização e fiquei triste. Pensei nos pneus furados e lembrei que certamente teve gente com muito mais problemas. Golfei um excesso de coca-cola que tomei e parei pra lavar os olhos com água. Senti dores no estômago, na sola do pé. Pernas boas mas não ia mais rápido. Até que encontrei o Aracajú, que me deu ânimo e força pra não deixar a peteca cair mais ainda. "Rápido ou devagar vai doer igual, então vai rápido que termina logo", foi algo assim que ele me disse que me fez continuar no esforço máximo, embora num pace terrível.
Passei mais uma vez na búzios, na galera fantástica da Ironmind. Ao chegar no primeiro portal, aquele que separa quem está nas duas primeiras da terceira volta, lembrei do texto do Vagner Bessa. Foi difícil segurar o nó que se formou na garganta. Meu quinto Ironman, o que mais deu coisa errada e o que mais tive dificuldade pra manter a motivação. A parte física estava excelente, mesmo. Até agora estou impressionado de estar tão inteiro na segunda-feira.
Entrei naquele túnel humano e quase não achei meus filhos, catei os dois pelas mãos e atravessei aquela linha. Só quem passa lá entende. E mesmo passando cinco vezes, continua não entendendo algumas coisas. Não tenho como não agradecer a todos que tornam participar disso tudo possível, principalmente minha família que é quem aguenta isso tudo. Se pra mim é diversão, pra elas é uma espera só. Muito obrigado meus amores. Obrigado também à essa fantástica turma da Ironmind que consegue nos jogar pra frente de tanto gritar e empolgar a cada passagem pela tenda. Durante uma prova dessas, essa torcida tem um poder incrível.
Aprendi coisa demais nessa prova. Como sempre acontece num Ironman. Aprendi que o treino funciona, e que durante o período de treinos o que importa é a consistência, o dia a dia sendo construído tijolo a tijolo, sem atalhos. Estive na minha melhor forma, nunca tão inteiro e saudável. Nem um leve gripe há mais de um ano, tudo certo. Até a garganta que costumava atacar nas vésperas dessa vez ficou ok. Consegui passar por cima de uma encrenca das boas, que pensando de fora sempre achei que me fariam desistir. Mas nunca desisti de uma prova, e não seria a primeira vez, não num Ironman enquanto eu estivesse conseguindo rastejar. Mais uma jornada que se encerra, com outra já se abrindo. Hoje estou tão inteiro que até assusta. Fui nadar 30 min pra soltar as pernas, que já estavam bem razoáveis. Mostra que o treino estava bem feito.
Valeu demais. Como sempre. Não me perguntem de 2014 ainda.
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Domingo a noite, ainda pilhado, fui ver o regulamento. Parece que não se pode entrar com recurso contra decisão de árbitros. Mas falei com uma fiscal, que me disse que teve um árbitro fazendo muita merda na baía sul. Liguei pro chefe do ciclismo na segunda cedo, ele aconselhou também a entrar com recurso. Mas dado o regulamento, além do fato que só poderia ser feito das 7 às 8 da manhã e que o resultado já estava ferrado com tanto pneu furado, virei pro lado e dormi de novo até às 9:40. Eu sei muito bem da prova que fiz.
Natação perfeita, mas talvez estivesse mais curta, não sei. No 310xt mediu 3770. Fechei em 59min35seg na areia. A bike eu só apertei o lap da T2 na tenda de penalização. Deu 5:53, mas o tempo parado foi de 38 minutos. A corrida foi boa, 3h39min, a segunda melhor maratona da história :-). Menos de dois minutos parado, com dois xixis e umas caminhadas pra beber coca e água.
Bike check-in no sábado |
Primeira vez usando capacete de alien, até que bem confortável e fresco |
Começo da segunda volta |
A galera no treino de natação da quinta-feira |