Vontade. É preciso muita pra abdicar de tanta coisa em troca de preparação para uma única corrida, mas quem nadou 3800 mts naquele mar maravilhoso, pedalou 180 Km em boa parte da ilha e correu uma maratona ao final do dia sabe o que quer e do que é feito, e sabe que vale cada gota de suor empenhado nos treinos infinitos, cansativos, por vezes solitários, mas recompensadores. Porque tão importante quanto a chegada é o caminho até lá. Como numa escalada, atravessar aquele pórtico num Ironman é apenas a coroação de um esforço pessoal e do seu círculo mais próximo que é único para cada um. Ninguém completa uma prova como essa sem treinar e muito, nem sem apoio dos seus. De acordo com o seu nível, e é o que importa. Amadores ou profissionais, todos querem fazer o seu melhor, aprender mais sobre si mesmos, e seja em 8 ou 17 horas, vão sofrer, ter dúvidas, dores, alegrias e experimentar o êxtase da chegada. O resultado é um número, mas a vitória real é interna, pessoal, intransferível, única, especial e eterna. E esta vitória que todos conquistam é o que torna o Ironman tão fenomenal. Falando nisso, já esgotaram as vagas para 2011. Eu garanti a minha ;-).
Últimos detalhes e largada
Pois bem, chegou a hora, 4:30 da madrugada de domingo. Depois do café da madrugada saímos da casa do Ricardo a pé por Jurerê até o clube 12 . Pintaram os números em mim e segui para a bike, ajeitei o que faltava, chequei a pressão dos pneus e fui pra tenda arrumar as sacolas de transição e vestir o traje de festa. Foi difícil entrar com roupa de ciclismo completa dentro do neoprene, normalmente sempre vou de sunga. Depois disso não resta muito a fazer, então fui embora pra praia pra chegar com calma e aquecer direito na largada. Aqueci, entrei no mar e fui me posicionar no mesmo local pra encontrar a turma. A Daiane e a Laís logo vieram e depois meus pais com o Arthur, aí a Cínthia e mais uma galera que eu infelizmente não consegui ver antes de largar... Uma pequena confusão se armou antes da largada, o povo andou pra fora da área de largada mas foram suavemente conduzidos de volta ao local certo sob ameaças da organização. E aí larguei para o iron 2010, nervoso como no primeiro mas mais metido a besta, já fiquei lá na frente, pronto pra ser esmagado pela multidão.
Natação
A galera se espalhou e entrei no mar bem em frente à bóia. Nadei forte no início, depois mais tranqüilo e fiquei assustado quando vi 34 min na saída pra areia, tomei um gel e segui pra segunda perna. Fiquei fazendo contas e achei que fecharia com 1h04 no máximo, muito abaixo do planejado. Quando saí da água senti uma puxada nas duas coxas, muito estranho pois nunca tenho câimbras na água. Errei a orientação no finalzinho e passei à direita da pedra, junto com um monte de gente. Fora isso, a natação foi perfeita.
T1
Entrei na tenda e os staff não estavam com a minha sacola, fui até onde ela estava e me mandei pra tenda de troca. Fiz uma confusão com o conteúdo da sacola, que não estava separado direito e demorei demais na T1, também troquei o relógio pelo garmin que não sabe nadar, botei o monitor cardíaco e passei um pouco de protetor solar no rosto e braços. Saí só com a roupa que nadei, mas precavido pelas dicas do Luiz Otávio, usei de um material altamente avançado e de eficiência comprovada contra as intempéries: meti uma sacola de supermercado debaixo da roupa no peito. Contrastando com os materiais hightech dos corta-vento ultramodernos, segurou legal o friozinho do início de prova, hehehe.
A troca do relógio causou um problema, pois como não vi o tempo do cronometro até então eu não tinha noção da duração da transição e nem do tempo total de prova depois que iniciei o outro cronometro. Às vezes durante a prova eu tentava perguntar as horas, ou fazia contas botando uma margem de 10 min pra ter idéia do tempo total. Se eu tivesse levado 1 minuto ou 15 nesta transição, não saberia de forma nenhuma dizer a diferença.
Ciclismo
Saí tão tranqüilo quanto possível e controlando o ritmo, mas ia bem rápido. Peguei a SC e tudo começou a fluir muito bem. Foi o melhor pedal que eu já fiz. Alimentei-me bem e corretamente (pelo menos acho que sim), dosei o ritmo sem preocupar muito com a velocidade, e sim com o esforço e ao final da primeira volta estava com uma média que nem em treino de contra-relógio eu fazia. Deixei uma sacola com uma garrafa de carboidrato e uma lata de coca-cola no special needs, mas tive que parar completamente para esperar a staff achar a bendita. Quase deixei pra trás, mas eu queria aquela lata vermelha.
Na segunda volta o ritmo caiu um pouquinho depois que eu senti outras puxadas de câimbra na perna. Não entendi aquilo, nunca tenho câimbras, oras. Fui indo no limite, sem forçar demais mas sem aliviar, só que fiquei preocupado em me aniquilar no começo da maratona e ter que andar 42 km com as pernas travadas. Logo espantei aqueles pensamentos idiotas ao focar no ritmo, alimentação e líquidos. Pedala, pedala. Bebe, come. Pedala, pedala. E aí repete tudo indefinidamente. Quando eu já esperava vento contra pra voltar, continuei indo fácil a 34km/h. Ao contrário do esperado, andava bem e rápido, depois é que vi que o vento virou para um sul fraquinho, mas que muito ajudava as pernas pesadas. Segui até o último retorno no trevo para os ingleses e na volta vim girando solto bem leve, preparando as pernas pra corrida. Também comi o que precisava e bebi bastante.
Esse pedal não poderia ter sido melhor. Bike totalmente perfeita, clima agradável, pouco vento, asfalto muito bom. Vi duas quedas, uma boba no km 60 e outra onde parece que o pneu escapou da roda lá pelo km 130. Vi um monte de gente parada pra apoio mecânico. Teve muita quebra nessa parte, e depois quando começou a chover (eu peguei só uns 10 min já entrando em jurerê) a coisa apertou um pouco. Espero que todos tenham saído ilesos.
Quando entrei na Búzios estava realmente com vontade de correr. No pedal fiquei quase o tempo todo no clipe, a posição não é lá muito agradável, e na segunda volta eu ansiava pelos morros pra poder mudar um pouco de lugar. Então, correr parecia bom. Descalcei as sapatilhas pedalando e quando cheguei para entregar a bike não consegui nem dar um passo direito, fui forçando e em vinte metros já conseguia trotar. Correr não parecia mais tão bom.
T2
Saí tropeçando e encontrei o Rodrigo que estava trabalhando na transição com palavras de incentivo que muito valem nesta hora. Logo cheguei na tenda, enfiei as meias e os tênis nos pés, peguei o saquinho com tudo que precisava e me mandei. Segui trotando e catando as coisas da sacolinha, boné na cabeça, gels nos bolsos, bcaa e vitaminas, sal e redbull. Andei pra beber e depois me mandei controlando o ritmo pois sempre saio forte demais na T2. Tudo levou 3 minutos exatos.
Corrida
Comecei a correr e até o km 8 consegui manter um ritmo de 4:50, aí vieram os morros. Já tinha dores na parte da frente das coxas, a mesma da natação e do pedal. Saí comendo saquinhos de sal e parece que ajudou (placebo ou não, a dor diminuiu). A tentação de subir correndo era grande, mas andei morro acima e soltei o freio morro abaixo, o km chegou a virar 4:30. Encontrei o Marcos, seguimos juntos, fizemos o retorno e ele me passou de novo. Passamos um monte de gente, aí me desgarrei um pouco. Entrando na búzios o público é sensacional e tudo vai mais fácil. Os 21 Km da primeira volta foram completados com 1h49min bem no limiar entre o dolorido e o forte. Indo para a segunda volta a dor tinha sumido, então apertei o ritmo (o que àquela altura já não significava muito) e logo comecei a ter uns nós no estômago. Claramente era do esforço, pois não tinha nada lá dentro pra incomodar, a alimentação até ali tinha sido só gel e água. Segui mais leve e alternando forte e moderado até que a perna voltou a incomodar, comi mais sal e fui administrando. Segui tranqüilo pra fechar os 31,5 km e tocar para a última volta, coisa boa é botar aquela segunda fita nos braços e saber que só falta uma volta. Mesmo sendo 10,5 km ao final de 10 horas, é só mais uma volta ;-). O Aracajú que já estava por lá desde o pedal resolveu me acompanhar em parte da corrida.
No km 32 tentei tomar um gel e não consegui. Taquei mais sal, agora com a intenção de desenjoar mas não resolveu, então descobri as laranjas, comi dois pedaços e parece que ajudou um pouco. Dali em diante foi só coca-cola e água, de vez em quando gatorade. Só administrando. O público incentivava e depois de passar o desvio pra chegada o Aracajú se foi pra avisar a turma. Logo passei pelo meu pai, trotei com ele por um tempinho, até que viu a minha irmã e parou, aí toquei mais uns metros e cheguei no funil. Entramos todos juntos, arrastando o Arthur correndo, depois revezando-o em braços, até o pórtico. Coisa sensacional e indescritível foi chegar com a família toda. O fechamento de um dia feliz e perfeito não poderia ser melhor.
Tive a minha família e os meus amigos comigo a prova toda. Vocês sabem quem são e o quanto foram importantes. Encontrar um rosto conhecido e ouvir um incentivo quando se está mais pra lá do que pra cá, acabado e cansado, ajuda muito. À toda a turma da AndarIlha que ficou torcendo e principalmente ao William que estava com a Rita nos lugares mais inesperados, ao Hélio, Fabi, Taty, e demais que não consegui ver, obrigado. Cínthia e Diogo, obrigado pela participação especial, também ao Charles, Rodrigo e Cansian, à toda a turma da Ironmind que estava lá o dia todo torcendo e fazendo barulho, valeu !
Aos companheiros de treino um grande obrigado pela parceria, em especial ao Rodrigo Lins, ao Marcos, Kilder, Luiz, Ricardo e Alexandre. Valeram todas as madrugadas de domingo na estrada. Ao Roberto Lemos, muito obrigado mesmo. Por usar toda sua experiência e conhecimento para tentar me partir ao meio nos treinos e saber que dali eu sairia mais resistente ;-).
À minha família, Daiane, Laís e Arthur, só com o apoio e compreensão de vocês eu sou viável ;-). Muito obrigado de coração, meus amores. Aos meus pais e meus irmãos, sempre apoiando e lá o dia todo, obrigado por tudo.
Parabéns também a todos que completaram este desafio, aos amigos estreantes que mostraram bravura e fecharam excepcionalmente bem, Cláudia, Ricardo e Kilder e ao Nilson, que completou seu segundo iron com três pneus furados e um mês a menos de treinos devido a um acidente.
Detalhes técnicos
São tantas possibilidades numa corrida tão longa... 226 km, muita coisa pode acontecer, e acontece. A última semana foi cheia de picuinhas. Boto ou não a fita anti-furo ? Pego a roda emprestada com o Éder ? Levar CO2 ? Bomba ? Quantas câmeras reserva ? O que comer, que roupa usar, carregar ou não pneu reserva e ferramentas ? É incrível, mas são detalhes importantes. Se é que serve pra alguma coisa, aí vai o acontecido de fato:
Alimentação: consumi 15 GU gel, 2 garrafas de glicodry dose dupla, 2 gatorade, 2 bananas, 4 bisnaguinhas, 4 mariolas, 1 redbull, 1 coca-cola, muita água e dois pedaços de laranja. Não parece que faltou combustível, e acho que não desceria mais nada pela tubulação.
Bike e etc: rodas normais, sem fita anti-furo. Pneus e câmeras novos. 2 câmeras reserva, 2 cilindros de CO2, 1 pit stop. Sem pneu reserva, sem ferramentas, sem bomba. Bermuda normal de ciclismo, camiseta de prova. GPS e monitor cardíaco, tênis com meia seca.
Percurso: estava difícil manter a distância de vácuo no ciclismo. Aparentemente só tinha fiscalização na baía sul, formaram-se vários pelotões. Uns perdidos ultrapassavam só pra ficar na frente, forçando-nos a ultrapassá-los de novo. A corrida foi normal, e a natação ou foi mais curta (improvável) ou muito ajudada pela correnteza.
Motivação
Não consigo não pensar no que é que motiva não só a mim, mas a um bando desse tamanho a mover mundos e fundos, revirar as agendas, gastar os tubos, treinar feito loucos, tudo pra estar naquela linha de largada. É preciso estar lá pra ver e pra sentir. Se você não sabe do que estou falando, anote aí na agenda: 29/05/2011. Vá lá ver a largada, fique por lá nas transições, veja o campeão chegar e os últimos completarem a prova. Garanto que você não sairá indiferente. E se já for pra lá consciente do perigo, por estar a caminho da perdição, empolgado com aquilo tudo, prepare a carteira e fique atento no dia seguinte, porque este ano as inscrições acabaram em dois dias.
Sobre este tema, os melhores textos que vi hoje vieram do Blog do Ferreira e do TrilhasBR, não deixem de conferir. Ambos, mesmo que ainda conhecidos virtuais, acabaram me achando por lá. O Ferreira me filmou na chegada – não sei como é que conseguiu estar tão no lugar certo e na hora certa. O Peixoto acabou publicando uma foto de chegada que diz muita coisa. Novos amigos, valeu.
Resultados
SWIM BIKE RUN OVERALL RANK DIV.POS.
1:03:37 5:37:20 3:49:49 10:40:04 324 87
T1: SWIM-TO-BIKE 6:18
T2: BIKE-TO-RUN 3:00
A natação saiu muito rápida, na hora não entendi mas depois vi que todo mundo fez tempo mais baixo que o esperado. Acho que o percurso paralelo com corrente a favor ajudou. A bike foi a melhor de todos os tempos, bem focada, muito rápida pros meus padrões. A corrida saiu justa na previsão e depois vi que foi a minha melhor maratona, mesmo com morros e 180 km nas pernas. Esse negócio de treinar funciona mesmo.
Previsões
Só existem realmente pra provar que são previsões. A semana toda a previsão previa catástrofe climática, o pior era a Epagri, com previsão de ciclone com ventos de 80 km/h, temporais e raios. Troquei sms, email e telefonemas com a Cláudia até na quinta, depois desistimos. Aprendemos que São Pedro é Triatleta. Ou gosta muito deles, pois se a previsão se confirmasse, teríamos problemas, mas foi tudo tranquilo a menos da chuvinha leve.
A primeira foto é do Charles, a segunda da minha filha. Breve publico mais, assim que receber ;-)
Parabéns pelo resultado e obrigado por dividir conosco.
ResponderExcluirCara, deixo duas perguntas sobre o que vc usou: pastilha de sal e meia seca. Quais são?
PARABENS !!!
E ai Pina, que linda prova heim, parabéns amigo, mandou ver.
ResponderExcluirÉ legal ver a tua postagem bem detalhada, acaba ajudando pessoas que como eu querem fazer o primeiro IronMan.
Grande abraço.
Rafael,
ResponderExcluirParabéns!!!
Se continuar assim, daqui a pouco vai representar o Brasil mundo a fora!
Abraço,
Ziller