domingo, 9 de outubro de 2016

Mundial de Ironman 70.3 na Austrália






Correr um mundial de qualquer coisa era algo que eu realmente nunca tinha pensado até uns anos atrás. Só depois de uns bons 4 ou 5 anos de triathlon comecei a pensar em que quem sabe talvez um dia classificar pra kona ou pro mundial de meio.

A classificação no Rio veio quase um ano antes da prova, o que deu bastante tempo pra planejar e organizar as coisas - obviamente todos os detalhes foram acertados no mês da viagem. Que aconteceu com a minha filha, pois a Daiane não poderia viajar em época escolar e o pequeno homem passaria muito trabalho numa viagem dessas.

Foi uma experiência única, a começar pelo lugar. A costa leste da Austrália é sensacionalmente bonita e de clima parecido com o Brasil. Sunshine Coast, onde foi a prova, mais especificamente na praia de Mooloolaba, é berço do Triathlon australiano com a praia de Noosa sediando provas de desde a década de 90 com 4500 atletas. Talvez no Brasil não dê isso tudo em todas as provas Ironman somadas, e lá há 30 anos já haviam provas (eventos talvez) desse tamanho lá nos confins da terra.

O país respira esporte e aparentemente todos fazem parto na água, pois é incrível a quantidade de gente nadando no mar e nas piscinas públicas espalhadas por todo lugar (dizem que também não sentem frio). O contingente nativo na prova era de quase 900 atletas, dentre os 3000.

Chegamos em Brisbane depois de 30 horas de viagem às 23:30. Com todas as tralhas que uma prova dessa implica fomos buscar o carro alugado. Lá descobri que eu tinha feito a reserva pra julho (era então 30 de agosto) e tivemos que negociar um carro pequeno com câmbio manual (que traria grandes emoções). Saímos do aeroporto sem comprar o chip 3G e logo estávamos perdidos à meia noite dirigindo na mão inglesa sem saber passar marcha ou dar seta.

Entrei num hotel e pedi wifi. O solícito velhinho que atendia (uns 80 anos) deu todas as dicas e a senha do sinal. Saímos de lá direto pro hotel, onde subi 4 andares de escada com a mala-bike e logo desmaiei de sono.

No dia seguinte a Laís programou passeios o dia inteiro. Inteiro aqui é da hora que amanhece até bem depois de anoitecer hahahaha. Foi um dia típico de turistar, Brisbane mostrou-se uma cidade muito bonita e surpreendente. Encaixei um treino de 40 minutos de corrida na margem do rio, o que acrescido de toda a caminhada, totalizou cerca de 32000 passos no dia. Uma coisa muito boa de se fazer na quinta anterior a uma prova kkkkk. Falando nisso a pequena fez uma programação sensacional, além de arquiteta pode ser também agente de viagem. Só me preocupei em ir :-). Tudo estava planejado em todos os lugares.

South Bank, Brisbane. Excelente pra correr, ver, fotografar

Sexta feira saímos às 7 para Mooloolaba, 90 km ao norte. Lá achamos a rua da casa onde alugamos quarto no airbnb. Só que não achamos a casa. Batemos numas portas e nada, e aí ligamos pra dona pra descobrir que a chave estava na caixa de correio.

Fui direto pra Expo buscar o kit, comprar CO2 e óculos de natação, uma breve circulada, tropeça num pro aqui e ali e fui nadar. Um mar muito gostoso, água clara e quente, muitas ondas e gente surfando. Baita diversão. Pacífico de águas quentes eu não conhecia. Voltei pra montar a bike, saí pra dar uma volta de tarde e posso afirmar que foram poucas as vezes que fiquei tão perdido na vida. Andei seguindo os caminhos, que eram cheio de quebradas, saí na rodovia, fui pra cidade errada e quando era hora de voltar peguei o iphone pra me localizar. Muito bom sair sem rumo. Pedalzinho testou tudo e aí então fomos novamente para a praia dar uma volta.

Caroline Stephens pediu uma foto, não pude negar

Pedal sem rumo pra testar a bike

Estava bem na hora da parada das nações, um 'desfile' dos atletas de cada país. Eu imaginava algo tímido, tanto que nem me programei pra ir. Só que estava um espetáculo. Todos os países chamados um a um no microfone, banda tocando, centenas, senão milhares de atletas na praia, cada um na sua delegação com a bandeira à frente. Foi um dos negócios mais legais que já vi numa prova. Muito muito bacana.  A impressão talvez tenha sido amplificada pelas olimpíadas recém encerradas, é claro. Mas foi sensacional.

Parada das Nações. Sensacional.


A noite, equipei a bike antes de jantar e dormir. O bom de pegar um jetlag de 13 horas é que isso é tão torto que praticamente não dá tempo de ficar errado. Sei lá, só sei que não senti muito, a única coisa estranha era acordar sem despertador antes das 6.

Sábado dei uma corridinha de ativação de 3 km e depois fui deixar a bike, logo às 10 horas. Deixei a bike coberta com a capa e fui embora, depois de mais uma circulada na expo. Aí então fomos passear numa praia uns 30 km ao sul, Coloundra. Muito legal, como todas da região, cada praia na verdade parece uma cidade autônoma. Ficamos lá metade da tarde e aí voltamos pra ver o farol que tem ao sul de Mooloolaba, um mirante espetacular das praias ao norte e sul. Dava pra ver toda a região da prova e pra onde se estenderia o pedal, até 20 km ao norte. Um sol de fim de tarde espetacular e vento menos furioso que no dia anterior deram a certeza de bom tempo no dia seguinte.

Transição bonita
Jantamos numa pequena cantina italiana numa área comercial próxima à casa que estávamos, assim evitamos a muvuca da praia a noite, que era grande. A Dona ficou tão impressionada de ver brasileiros lá que tirou uma foto nossa pra por no perfil do restaurante no facebook :-).

Amanhecer do dia da prova
Largadas

Domingo dia da prova finalmente. Saí bem cedo, pra pegar o nascer do sol fantástico que teve naquele dia. Vento calmo e mar que mais parecia uma piscina. Essa prova tem uma transição interessante: a natação acontece no sul, e a T1 é bem longa, as bikes são dispostas ao longo de uns 800 metros e depois ainda tem a transição da corrida, que é um pouco mais afastada. Na prática tem 1200, 1400 m de transição no total. Assim, entrei por um lado pra mexer nas coisas e saí do outro lá longe. Voltei e achei a Laís no deck do banheiro com vista para o oceano (foto abaixo). De lá era perfeito pra ver a largada. Ali me vesti, alonguei e fui nadar um tantinho. Piscina confirmada. Voltei pra espera minha largada, os PROS saíram da água e fui pro curral.

Área da largada

Largada muito interessante, saímos da praia, nadamos 150 perpendicular à praia e então alinhamos numas boias pra largar efetivamente. Começar na água gera toda uma violência diferente de largar da areia: 450 seres flutuando na vertical ocupam bem menos espaço do que na horizontal, então na hora do tiro é uma profusão de socos e ponta-pés bem divertida.

Natação tranquila, firme e boa. Saiu bem reta, e diferente das outras largadas em ondas, não vi passar nem fui passado por nenhuma touca de cor diferente, o que denotaria o nível elevado e muito próximo dos atletas. Faz sentido, é um mundial, meu filho.

Saí da água bem, das melhores natações da vida. Nada excepcional, mas do jeito que tinha que ser, 1:30/100m cravados. Parti pra transição longa, saí pra pedalar já de cara nuns morrinhos pra sair da cidade e logo entramos na rodovia que seguiria por 15 km rumo norte. Vento sul muito leve e ritmo assustador, mas com muito trânsito. Vi muita gente das largadas anteriores, e pedalar na esquerda pra passar pela direita era estranho.

Saindo pra T1, 800 m de trote
A coisa foi toda empelotada até o retorno - tanto pelos atletas mais lentos quanto pelos safados pegando vácuo descarado. Era difícil ultrapassar tripas de 3, 5 atletas de uma vez só. No retorno a coisa começou a espalhar, um pouco de vento contra mas a empolgação do início mantiveram o ritmo bom. Ver virar parciais de 10 km seguidamente acima de 40km/h não é lá muito comum, mas a potência estava boa, o asfalto era ridiculamente liso e o fato de não ter pedalado na semana pareciam atenuantes que permitiam arriscar.

Cheguei no trecho ondulado, estrada fechada como a rodovia e um visual de interior. Logo dei de cara com a bifurcação dos dois loops que haviam no trecho de serra. À direita era a primeira volta, e era uma parede. Bem íngreme e curta, tive que fazer zigue zague na marcha mais leve e ainda assim deu trabalho. Esse trecho foi fantástico, muita gente nas laterais da estrada, mensagens escritas no asfalto. Me senti no tour de france hahahah.

No pedal


Descidas técnicas e pessoal suicida, fui ultrapassado demais nessa parte. Não sei pra que um sujeito senta no quadro numa bike TT numa descida que nunca viu na vida, entra na curva alucinado e quase sai na tangente. Na verdade uns saíram e foram parar no mato.

Depois outra volta, sem a parede e então o trecho final até a cidade, agora com uma ventania de sul absurda (isso sempre é amplificado pelo estado lastimável das pernas ao final da bike).

Entrei na cidade feliz e empolgado com o percurso, larguei a bike e me fui a correr. Corri tão bem no começo que resolvi me suicidar. Saiu uma das melhores bikes da vida, a natação foi boa, era um mundial, então como não arriscar ? Além disso eu tinha treinado tão pouca corrida nos últimos dois meses que já quebraria mesmo, então que seja com estilo. Falando em corrida, no começo de julho tive uma coisa horrível na lombar. Fiquei três semanas sem correr absolutamente nada e treinando moderadamente as outras modalidades. Aparentemente tenho umas hérnias querendo aparecer, mas suspeito que foi algo agudo, como advoga o Doc Daniel Carvalho. Ele, o Edu Monteiro e o Éder me salvaram, consertaram e prepararam a tempo de suportar o plano do Mestre Roberto Lemos de me por nos trilhos em 3 semanas de específico em agosto.

Voltando à corrida, era simples: duas voltas de 10.5 km, indo pro norte através de um morrinho de um km e depois tudo plano. Foi uma delícia. Corri forte no início movido pela empolgação e orgulho. Pernas muito leves, o que já me deixou feliz pelo pedal duro que foi. Outra coisa que me fez sair forte e tentar manter foi a dinâmica da prova: muita gente das categorias superiores, que largaram depois, me passando facilmente na corrida. Fiquei realmente impressionado. Ô povo pra correr !

Fechando a primeira volta


Do meio da segunda volta em diante implodi. O vento era contra e a inclinação me matou. Comecei a correr muito mal, com um cansaço enorme apesar das pernas boas. Acabei ingerindo apenas um gel no km 12, mas comi bem na bike. Não sei, só sei que me acabei tentando manter o ritmo, que não mantive, mas cheguei dignamente e com uma alegria enorme de completar aquela prova. Que clima, que vibe, certamente uma experiência única. Encontrar a Laís na boca da chegada com a bandeira do Brasil, chegar explodindo e tentando fazer o máximo que dava, afinal era um mundial. Não tem preço.

Chegando !
Yeah !
Único

Melhor filha do mundo !
O mito, mark allen. O outro mito sou eu kkkkkk

Segunda feira depois da prova começamos a segunda de três partes da viagem. Antes porém fomos pra Noosa, e pro parque nacional de mesmo nome apreciar a vista numa trilha de 7 km que nos levou ao hell's gate, um local espetacular para avistar baleias que não vimos e que dava uma visão impressionante da costa australiana.

Depois foi só seguir pra Cairns, mergulhar durante dois dias e uma noite na barreira de corais, aí ficar mais uma semana perambulando por Sidney, Melbourne e então começar a volta. Viagem sensacionalmente legal.

O retorno teve emoções de vôo atrasado por problemas mecânicos (não bom escutar isso antes de embarcar num avião que vai cruzar o pacífico), pernoite extra em SP e malas extraviadas, incluindo o case da bike, o que causou sérios pânicos no vivente que escreve. Depois de dois dias, tudo certo.

Muito obrigado a todos pela torcida, apoio e energias positivas emanadas até o outro lado do mundo. Até a próxima !

Dados Técnicos

Link do garmin aqui. Bati o botão de lap no guidão e tive que começar outro pedal hahaha. Mas dá pra entender.

Corri com o go run ride 4, com o capacete aero e com a roupa toda abaixo do neoprene. Tudo certo. Alimentação foram duas medidas de GU Endurance na bike com 4 gels, 2 mariolas e uns goles de gatorade. Na corrida 1 gel e coca cola.

Prova atípica para os meus padrões. Natação boa, bike ganhando posições e corrida perdendo algumas. Corri bem até o km 12, depois caiu um pouco e no 17 implodiu tudo hahaha. Bike a 87 % do FTP foi muito boa. Percurso metade plano, metade técnico com ventania. Asfalto perfeito em boa parte, mas na serrinha tinham patches e rugosidade.

Resultados oficiais aqui, meu aqui. Nível estratosférico, não deu nem pro cheiro hahah.


;-D
Hell's Gate, Noosa National Park

Noosa ;-)



Ao sul de Mooloolaba

 
Legs up !

A Grande Barreira de Corais !  


10 comentários:

  1. Show! Fico com o mergulho depois de tudo, mais um paraíso pra encher os SD Cards de recordações (Como se não bastasse um Aussie Iron)!

    ResponderExcluir
  2. Parabéns Rafael,
    Essa é uma daquelas que fica para a história...

    Grande abraço.

    Marcelo

    ResponderExcluir
  3. Grande Rafael!!! Parabéns por mais um Iron!!!!

    ResponderExcluir
  4. Cara, só consegui ler o relato agora apesar de ter te acompanhado online durante a prova.
    Sensacional o relato e toda experiência envolvida. Espero um dia poder estar numa dessas. Um dos teus posts que mais gostei de ler! Parabéns! Tu merece!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. E aí Milton !
      Valeu cara. Foi sensacional. Bora la que 2018 será na África do Sul ! Vamo !!!

      Abraços.

      Excluir
    2. Ano que vem estarei na tua categoria. Me fudi! Kkkkkk

      Excluir

Participe ! Deixe sua opinião, ou crie uma polêmica :-)