Dessa vez o Desafrio doeu. Mas foi em lugares inesperados, no posterior da coxa e no dedão direito. Depois da
Indomit 100K não fiz nenhum treino longo de corrida, só umas 4 ou 5 corridinhas de 10 km. Fiquei com uma dor na lateral interna da coxa direita e tratei com o Edu da Clínica Nura. Ficou zerado e fui tranquilo pra prova, mas curioso em como seria depois de 3 semanas sem treino algum em seguida de uma ultra de 100 km e do Márcio May Marathon MTB na semana anterior (breve post).
Pois bem, a sexta-feira foi estranhamente quente e uma chuva com trovoada despencou à meia noite em Urubici. Fiquei semi acordado até às 3 quando o barulho parou e ao levantar 6:30 não havia mais água caindo, só caída. E muita lama.
Alinhei junto com o Anastácio e Hélio, encontrei meio mundo lá e começamos a corrida. Fui devagar. Aqueci até o km 3 mais ou menos e comecei a correr mais solto, sem olhar pra nada, nem pace nem outros atletas. Só que larguei muito no fundo (não faça isso) e fiquei preocupado em pegar engarrafamento na subida da trilha no km 11. Passei a Débora e aí segui um pouco mais rápido pra chegar logo na trilha.
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Muita lama e diversão naquela subida, os pés já estavam molhados há tempos nos primeiros rios que cruzamos, então fui reto com o pé enterrando até o tornozelo e subi firme passando muita gente. Conseguia correr nas subidas leves mas evitava para não forçar a coxa, mas não adiantou, apareceu uma dor no posterior igual à da parte de dentro, acho que migrou de lugar. Aí segui até o véu da noiva, que estava espetacularmente cheia.
Pegue a viseira e óculos de sol com o Dariva e a Patrícia segui só com um pouco de coca-cola no posto de alimentação. A esperança era grande, mas logo depois de botar os tapa-sol tive que tirar por embaçamento total e completo da visão.
Subi sem olhar o relógio uma única vez e por uns trechos junto com alguns atletas, só pela sensação de esforço. Ao chegar no topo fiquei assustado com o tempo, bem mais lento que o ano passado, cerca de 10 minutos. O esforço não foi grande, mas a dilatação do tempo foi. Imaginei que seria pela trilha, mas logo a Débora veio e vi que não tinha aberto muito dela, o que normalmente acontece na subida, com ela me buscando na descida.
Bom, era só descer. Esse 'só' é sacanagem. Todo santo ajuda não sei quem, porque a mim é que não é. Comecei todo torto e uma mulher da dupla me passou voando, logo mais um monte de caras sumiram morro abaixo. Os tênis estavam folgados, os deixei assim de propósito para subir. Mas fui apertar e só consegui apertar o esquerdo. O cadarço (aquele fio com trava da salomon) do direito travou e não ia nem pra frente nem pra trás, soterrado por um monte de lama seca. Não tinha rio perto, então desisti logo e segui com o pé frouxo, grave erro.
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Mais ou menos por aí o dedão direito ficou pelo caminho |
Cheguei no véu da noiva correndo assustadoramente bem. Havia ficado preocupado em descer com um tênis flat e com pouco amortecimento como o salomon sense mantra, mas foi perfeito exceto pelo dedão, que já latejava bastante. Acho que foi a melhor descida até ali na história.
Encontrei a Patrícia de novo e troquei a blusa amarela pela azul. Coisa horrível, estava derretendo já dentro daquilo. Entrei na trilha pra descida e corri bem até achar mais lama. Aí foi uma coisa bizarra, um passo pra cada lado, nenhum reto. O pé aterrissava e escorregava pra um lado ou outro, muito legal correr assim, mas cansa e é lento.
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Essas estradinhas foram cenário de MUITOS treinos para a Indomit e El Cruce esse ano... |
A Grande Descida sempre me mata e dessa vez entrei na miserável alucinado e correndo forte. Fiquei impressionado em como estava descendo forte até a perna esquerda ficar toda frouxa numa passada eu quase ir pro chão. Cheio de pedras bicudas e grandes, não seria boa ideia, então aceitei que as pernas já estavam com retardo neuro muscular e reduzi o ritmo antes de me arrebentar. Dado meu histórico recente de quedas na corrida foi o melhor a fazer.
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Depois da grande descida inda estava vivo |
Lá no final perto do rio achei o Rafael Vargas, tinha caído e machucado o joelho, mas a panturrilha é que estava estranha, pulsando visivelmente numa parte. Segui e ele veio logo atrás. Também achei o Fábio e viemos juntos um pedaço.
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Incrível ! Nenhuma queda no percurso todo !
E consigo me arrebentar na beira-mar... |
Aí comecei a correr fácil no km 45, segui sem parar nem pra comer até a chegada. E aí, a uns 200 m, já na curva da igreja para o pórtico, surge do nada um cara sprintando do meu lado. E o povo gritando, vai, vai, não deixa passar, vai, vai kkk. Só lembro de ter visto um número preto (o das duplas era vermelho) e instintivamente reagi, correndo feito louco, bufando e soltando grunhidos horríveis. Não sei como consegui fazer aquilo... E depois fiquei muito puto. Poderia ter caído de cara no chão correndo daquele jeito em calçamento de pedra molhada. Ou estirado um músculo, sei lá. Mas... vai que o cara era da categoria hahahaha.
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Sprint depois de 52 km... deu 4:10 nos últimos 200 m mas a sensação era de 2:40 :-) |
Depois de recuperar o fôlego e cumprimentar o doido fui direto pra massagem e alimentação. Logo achei o Hélio, esperamos o Dariva e o Anastácio chegarem e tocamos pra casa pra fazer a melhor parte da corrida, o churrasco do William com cerveja artesanal do Anastácio. O Desafrio na verdade é uma desculpa cansativa pra essa reunião anual de amigos, que dessa vez também contou com a Fabi e o Kiko.
A noite troquei mensagens com o Marcos e fui lá pra premiação, tinha ficado em 5º na categoria 40-44. Ficamos olhando as outras categorias e na minha não fui chamado. Ainda fiz o mico de ir lá na frente perguntar, e o locutor disse que só ia até 4º devido à quantidade de atletas não ter passado de 30 (largaram 28). Regra que eu não conhecia (estava lá bem escrita). Bom, sem troféu pro Rafael :-).
Depois fui ver os tempos com detalhes e descobri que o 4º estava 20 seg à frente, e os tempos eram os brutos e não os líquidos (pra que chip ?)... A minha diferença do bruto pro líquido deu 38 seg... ou seja, largue na frente :-).
Corrida de montanha realmente está explodindo. Muita, mas muita gente e o nível cada vez mais alto. Essa prova começou com 30 pessoas e hoje tem 300 na solo e mais 200 duplas, impressionante como o nível de 'impossível' vai subindo, como as pessoas vão testando ir cada vez mais e mais, longe e difícil. Muito, muito legal participar disso tudo. Principalmente desde o início, já se vão 9 anos de Desafrio, e enquanto a prova existir e eu puder, vou correr.
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Detalhes técnicos:
Aqui o
link da prova. Total de 5h19min, 12 minutos mais lento que no ano passado, mas 1 posição melhor. Tempo é relativo. No caso, relativizado pela lama. A Grande Descida é a despencada quase vertical no km 42,5.
Consumi uma garrava de 100 gr de carbup, 5 GU e 4 mariolas, mais coca-cola em três postos de apoio e meia banana no topo. Não faltou nada nem sobrou, acertado.
Corri com a mochila de hidratação com 1,5 l dentro e sobrou. Gostei, fica mais prático pra pegar as coisas nos bolsos da frente e não tem que ficar parando pra encher as garrafinhas, nem fica nada chacoalhando na cintura. A contrapartida é começar e principalmente subir 1kg mais pesado do que com o cinto.
Não tinha tempo líquido mas tinha chip. O resultado foi 5º na categoria 40-44 e 30º geral, com o primeiro animal correndo pra 4h07 e uma dupla pra 3h33 HAHAHA.
O saldo do dedão foi bizarro. Unha totalmente preta e o dito cujo latejando e doendo pra caminhar até segunda-feira. Quarta estava melhor e sexta corri 10 km leve. Salvo, pelo menos.