terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Busque a sua montanha... sempre

Eu ia escrever em 2014, mas depois de ler o texto do Vagner Bessa troquei para sempre. Seja o MontBlanc, a Serra do Rio do Rastro pedalando ou o Morro da Igreja correndo, o Everest ou a Antartic Ice Marathon, um Ironman ou um short triathlon, um desafio profissional ou pessoal. Porque o que nos mantém vivos é continuar evoluindo e escalando sempre uma montanha tendo outra em vista.

Uma ótima continuação de ano a todos :-).

Surpresa de final de ano :-)
Em 2104 estarei lá novamente !

sábado, 28 de dezembro de 2013

Treinos para o Cruce Colúmbia

Sabe que eu não estava dando muita bola pra o Cruce Colúmbia ? Não em termos de viagem, experiência e expedição, mas em termos de preparo. Afinal, depois de alguns praias e trilhas, que mal poderia ter 39 km seguidos de 31 e 33 ? Tipo assim, vou fazer uns treinos depois do Dash e tá bom. Só tem um detalhe que faz toda a diferença: a altimetria.

São uns desníveis todos piores que o Desafrio Urubici, como por exemplo, 1000 m de subida contínua nos 11 primeiros km do primeiro dia, 1250 nos últimos 15 do segundo ou então 1000 m de ganho com 2000m de descida no último dia ! E eu estou subindo mal e descendo pior ainda. O ganho de altitude totalizado nos três dias dá cerca de 4700 m e está me deixando com a pulga atrás da orelha.

Nada que preocupe a conclusão da prova, pelo menos eu acho, pois o ritmo máximo é de 14min/km. Só que no treino da lagoinha do leste semana passada ficou em 10:30 de tempo corrido com as paradas, e no Cruce vai ter paradas ao certo, se não para abastecer ou cruzar rios, descer rampas de neve, para babar e fotografar o visual.

E eu estou tentando inventar uns treinos malucos, como este de hoje no morro do Pagará. Pra sensação de sufoco que foi, a altimetria foi uma ninharia, e sofri pra descer, uma dor nos dois calcanhares na última descida veio sei lá de onde (pode ser do tênis levinho) e depois o ritmo empacou em 5:30. Outro dia fiz o morro da antena em Urubici e em 16 km a altimetria ficou em 450 m de ganho. Ou seja, acho que vou ter que inventar um Desafrio solo ou subir a rio do rastro hehehe. Não tem muito tempo, então não adianta exagerar, o que me leva a focar nos treinos da semana e ver no que vai dar.

Isso foi feito pra pedalar, não correr :-)
Nos fins de semana o arranjo com o Roberto foi botar uma pancada forte nos três dias, com um longo sexta, uma transição completa sábado e uma corrida mais longa ainda em trilha ou terreno bem desnivelado domingo. Essa semana esse esquema furou pois a galera marcou pedal em São bonifácio e não poderia ficar de fora. Assim, fiz o pseudo longo quarta, o progressivo (mais um treino de ritmo) ontem a noite e essa coisa no Pagará hoje. Fiquei quebradinho e ainda falta o pedal amanhã na serra :-).

Acho que semana que vem vou inventar uma volta pelo morro do Bitú em Urubici, por onde desce o Desafrio, deve sair legal. Vamos ver o que mais dá pra inventar, mas o certo é que em treino não vai dar pra chegar nem perto dessa altimetria / distância do Cruce.

E isso é bom ! Há tempos não fazia uma prova tão cheia de variáveis, com tantas dúvidas, equipos, de logística tão complexa e pela primeira vez, no estilo expedição. 5 semanas e contando !!!

domingo, 22 de dezembro de 2013

A volta completa da lagoinha do leste

Uns 80 m acima do mar, à ilha moleques do sul aparece à direita na linha do horizonte.
A terra é redonda graças à GoPro !

De volta às raízes. Outro dia comentei numa foto da lagoinha do leste no facebook que foi lá que tudo começou. Comecei a acampar, escalar e correr por trilhas lá. E aí agora com o começo dos treinos pro Cruce, foi lá que fomos nos meter ontem.


Com chuva, no ponto mais alto da trilha

Saímos às oito e meia do pântano do sul, o Luciano, Anastácio, Gregório e eu. Começamos com chuva fina que ficou grossa e parou antes do mirante. Aí entramos na trilha secreta e corremos pela melhor parte do trajeto, um singletrack coberto de folhas e vegetação verde e molhada. Despencamos em direção ao costão e subimos o morro do pão de açúcar, ou bolinha para os íntimos. O nome vem da visão do dito cujo a partir da trilha oposta para a praia da armação.

Visual à partir do costão norte. A bolinha é o canto esquerdo do morro
Vista a partir da bolinha para a praia, a trilha para a armação é no lado oposto da praia

Ficamos apreciando a vista e descansando um pouco lá em cima e o sol arregaçou de vez. Descemos para o costão, um pouco de routefinding e achamos a entrada para a trilha que contornava o precipício. Faziam bons anos que eu não ia na trilha secreta. Chegamos na praia, corremos a praia e começamos a trilha pro matadeiro. Água na bica quase seca e depois num córrego, fez calor. Essa era a parte mais técnica do dia, pedras, raízes, buracos e galhos por todo lado. Muita pedra molhada e coberta de limo. E aí numa freada minha o Luciano foi desviar e capotou bonito. Levantou alucinado e saiu correndo que ninguém mais alcançava :-). Depois continuamos, encontramos uma galera gigante vindo na direção contrária e então saímos na armação, era só voltar pelo asfalto. Uma chuvinha veio de novo dar o ar da graça pouco antes de chegarmos nos carros.

Já no costão, tentando achar o acesso à trilha mais acima
Praia. Bem movimentada e lotada, como pode-se ver
Trilha para o matadeiro/armação
Primeira vista da praia da armação
Fechamos um mega treino num lugar espetacular e que pouca gente conhece. Deu uns 17 km e 3h30 total, faz as contas. Distâncias são relativas. I'm back to the trails !!! Que saudade ! Não é bem um treino específico para o Cruce, lá não vai ter tanto trecho técnico como ontem mas o treino valeu demais. Agora vou inventar umas coisas estranhas em urubici, fiquem ligados.

Apesar de tudo, o Anastácio não subiu a coroa (nunca fez isso, fiquei pasmo !) e o Luciano e o Gregório devem ter ido lá pela primeira vez sem pisar lá em cima no abacaxi de pedra. Vamos ter que voltar logo.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

2013 em Números

Hoje vi um post do meu amigo Arthur Araújo e fui conferir as minhas estatísticas do garminconnect. Santo serviço que registra nosso suor diário de cada dia. Fazia tempo que eu não olhava isso e dessa vez fiz umas brincadeiras também.

O ano de competições se encerrou com o Dash 113 no último dia 2/dez. Mal acabou e já começaram os treinos para o El Cruce Colúmbia em fevereiro na patagônia. Mas isso é outra história, pois há cinco anos eu não tinha uma prova de corrida como alvo específico. Ai minhas canelas...

Vamos aos números. Foram 11 competições, bem menos do que o usual. Isso deve-se à pausa para a viagem de agosto aos Alpes e também ao maior foco no Ironman, onde não fiz muitas provas prévias (na verdade só o long distance da Fetrisc e a meia de Floripa). Em termos de resultados só no Marcio May, Desafrio e Ironman não fiquei entre os cinco da categoria.

No total foram 430 horas de atividade incluindo as provas, mas sem contar os dias que saí sem GPS e em média 2h na piscina por semana. Isso dá cerca de 1h15min por dia, totalizando 8772 km percorridos. Aí eu lembrei que fiz um conserto no carro esse ano e fui procurar a nota. Lá tinha a kilometragem, e comparando com hoje, vi que rodei de carro cerca de 19.000 km. Acho que os treinos estão indo muito bem :-).

A natação não conta muito pois praticamente só registrei treinos no mar, então ficamos com 50,77 km de braçadas no oceano atlântico.

Correndo foi um pouco mais de tempo, cerca de 164 horas com 1808 km de chão, média de 150 km por mês, tudo rodado a uma velocidade média de 11 km/h ou um pace de 5min30seg/km e um batimento médio de 144 bpm.

A bike que teve 6838 km em 242 horas de pedal com 25 mil metros de desnível positivo. Essas altitudes não são lá muito precisas pois o 310XT não tem barômetro, mas dão uma ideia. Na corrida foram 23 mil metros correndo contra a gravidade. O número de sessões de treinos foi de 127 na bike e 146 de corrida, bem equilibrados.

E aí fiz um comparativo para quem diz que eu treino demais (alibi virtual): eu estou reduzindo o volume de treinos, embora esteja melhorando os resultados nas provas. Como o vinho. Fico mais velho, mais eficiente e melhor HAHA. E como diz meu amigo William, agora já temos 40 anos ;-).

Volume comparativo em 2012 e 2013, em distância

Volume comparativo em 2012 e 2013, em tempo
Isso refletiu bem a estratégia da corrida que adotamos este ano, correr mais 'lento' nos treinos para o iron, comparativamente ao que se pode tentar para uma maratona solo.

Já a queda no volume da bike está praticamente toda concentrada no segundo semestre, ficando igual nos treinos pré-ironman. A ideia era essa mesma, aumentar a intensidade mantendo o volume, e a média cardíaca deu 4 bpm a mais com velocidade média aumentando de 26 para 29 km/h neste período dos dois anos.

Comparativo em volume no primeiro e segundo semestre de 2012.

Comparativo de volume entre os semestres de 2013.

A explicação é simples, foi o mês de julho dedicado à 'escalar' e o período de férias, seguido do marasmo subsequente e das provas off-road que tiraram bastante volume da bike na segunda metade do ano. Também tem um ponto fora da curva que foi dez/2012 onde eu não corri devido ao tendão e acabei pedalando mais do que o normal. Ainda assim o resultado foi muito bom, pois fiz o melhor pedal já registrado na história deste vivente em meio-iron, ainda que a bike tenha MUITO o que evoluir como me disse o Roberto (e como bom vinho, vai evoluir ;-). E eu achava que o volume de corrida tinha caído muito em função da tendinite do calcanhar no começo do ano, mas foi bem pouco.

Era isso pessoal, um pouco de números de um engenheiro fanático por esportes. Até 2014. Boas festas.



segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Dash Triathlon 113 - dia perfeito existe

Um dia perfeito. Dava pra acabar o post aqui, mas é melhor registrar. Mesmo sem saber muito o que esperar eu sempre espero o melhor, então fui pra prova com os ritmos mais otimistas possíveis. Tudo dependeria de várias coisas, a começar pelo clima, que estava indeciso na semana da prova, então a ideia era fazer o melhor possível em cada modalidade.

Acabei treinando com mais qualidade só depois do XTERRA, a 3 semanas da prova. O Mountain Do em dupla me deixou destruído e aconteceu o que o Roberto fala a respeito dessas provas: sempre quebra, ainda mais porque eu não sei entrar pra brincar.

Então chegou o fim de semana esperado e que fez jus ao que prometia. Uma estrutura excepcional, num lugar que nasceu perfeito para o Triathlon, e uma prova pra lá de bem organizada nos mínimos detalhes e que já começou acertando em cheio. Que venha para ficar.

No sábado fiz um treino de transição curto e leve nas três modalidades, nunca tinha feito isso e me senti muito bem. Combinei com o Alexandre Vasconcellos que veio do Rio e lá fomos nós nadar, pedalar e correr por uns minutinhos cada.

Domingo madruguei e saí de casa às 4:30, acabei de arrumar a transição e já era hora de ir pra praia. Passei pelo controle do chip e entrei na área de largada. Aquecimento apenas para molhar e aí fomos esperar a hora da diversão. Mar flat, céu carregado de nuvens malignas e nada de vento.

Na máquina de lavar

Largada ! Foto de Israel Loselame
Alinhei num lugar estranho, bem no meio, normalmente fico pelos lados. Acabou que larguei numa muvuca danada e demorei a conseguir me livrar da profusão de braços e pernas alheios que queriam me atrapalhar. Antes da primeira boia já estava num espaço melhor e dali em diante nadei sozinho e o tempo todo num ritmo moderado a forte. Naveguei bem e dei umas pernadas de peito pra conseguir ver a última boia, tracei um azimute no morro e fui certeiro, contornei as duas, peguei outro azimute com a boia branca e voltei, a navegação saiu legal e o ritmo bem na mosca, 30min14seg no garmin. Nas melhores séries de piscina fico na casa de 1:35/100m, aqui saiu 1:35 cravado :-). A minha virada nada-olímpica tem um valor psicológico interessante, na piscina a natação não vale muita coisa mas no mar até que funciona bem :-). Melhor impossível e saí esgoelado pra transição que era longa. Arrumei as tralhas e segui pra bike, num pedaço de transição também longo.
  
Fora dágua mas sem ar algum 

Ok, agora tinha ar
On the Road

Tal qual o Iron, um percurso no lugar de treino tem lá suas vantagens. Nós já sabemos onde é que o vento pega, o que dá pra fazer em cada subida, onde descer no clipe e fora dele, etc. Logo no começo do pedal vi que o garmin não marcava nada exceto a velocidade. Paginei as telas e nada, não lia a FC nem a cadência, que eu uso sempre nos treinos. Do jeito que eu deixo as telas, só tinha velocidade em uma e a velocidade média em outra (cada uma com 3 campos em branco :-). Tentei olhar o que era e desisti, resolvi pedalar só na percepção do esforço. Deixei só a velocidade e olhava de vez em quando a média.


Fim da primeira volta
Entrei na SC-401 e mantive a ardência nas pernas e respiração sob controle. Fui me empolgando imaginando algum vento fraco a favor, mas todas as bandeiras estavam caídas, nem uma gota de vento a prova toda !

Fiz o retorno no Floripa e comecei a forçar mais, talvez as pernas tenham aquecido. Várias vezes tirei o pé quando uns atletas me passaram só pra entrar na minha frente e reduzir. Também fiz umas fugas pra não deixar uns poucos pelotes chegarem. Vi pouco vácuo descarado, mas o que me irritou foram 3 duplas 'trabalhando juntas'. Numa delas o cara veio sprintando pra não perder a roda, o da frente claramente o estava puxado.

O Marcos me passou e depois o vi parado com o pneu furado. O Manente também estava lá em canas parado. Malditos pneus, ainda mais os tubulares. Não vou com a cara deles, sei lá porque. Uma pena, realmente.

Terminando alguma volta
Fechei a primeira volta muito bem, olhei a média pela segunda vez e não acreditei, 36,1km/h. Resolvi manter o ritmo e entrei na segunda volta realmente empolgado. No morro do cacupé peguei uma micro chuva de 2 min que mal molhou o asfalto. Consegui manter o ritmo até começar a sentir uma ou outra fisgada na coxa quando levantava do selim. Ali era o limite, mantive tudo como estava e não forcei mais nada. Entrei em jurerê e vi o ritmo em 35,9, fechando o total com 35,7km/h. Decaiu alguma coisa mas pros meus padrões foi impressionantemente constante. Não tinha vento, então foi constante :-). O alvo da bike eram 2:30. Deu 2:27 com 87,5 km (redução avisada no congresso técnico). Perfeito.

Terminei a bike eufórico, nenhum pneu furado ! Estava traumatizado do Iron. Quase tive vontade de dar um beijo na bike. Saí pra T2 que era bem longa, troquei o tênis rapidamente e me mandei. Achei que tinha perdido o número, mas o Fábio me lembrou que estava virado pra trás.

T2. Dessa vez não fiquei enroscado na roupa
Correndo feito um doido

Saí pra correr leve e sem dor nenhuma e quando virei na búzios tocou o alarme de pace que ficou no garmin, estava a 3:40/km. Foi a única hora que me orientei por algum instrumento, claramente 3:40 não daria pra manter muito tempo. Segui nuns 4:10 pra ver no que daria. Também achava que não daria pra manter isso nem a pau, mas estava muito bem e afinal, se quebrasse, que fosse tentando.

Nem calor teve na corrida
Eram vários retornos, muito legal pra ver e marcar o pessoal. Melhor ainda era a torcida por onde passávamos o tempo todo, acabava nem sabendo direito quem incentivava, mas tentava retribuir na medida do possível. Fui olhando os paces só no beep do garmin, estava mais ou menos nisso, uns 4:15 até os 12 km, depois foi num regressivo até o final mantendo o sofrimento sempre no máximo, com os três últimos km realmente de doer. Também balizava o ritmo pelos amigos, o Milton é um relógio e tem o ritmo mais constante do universo, então se ele estiver se aproximando é porque eu estou reduzindo :-). Passei muita gente na corrida, mas dois caras me passaram a 200 m e não consegui acompanhar. O final foi no limite, cheguei e desmontei no chão, até atraí a atenção de alguém que veio ver o que se passava. O Palhares ao lado já recomposto não se abalou pois chegou do mesmo jeito ;-).

Ok, eu estava querendo chegar logo :-)

Epílogo

Uma prova excelente. Organização impecável, no quintal de casa. Um fim de semana respirando triathlon e encontrando amigos por todos os lados. Percurso, estrutura, área de chegada, premiação, kit, staffs, tudo de alto nível. Só preciso saber quando abrem as inscrições para a próxima.

The End. Ina, Dani, Palhares e o Milton.
Dados técnicos

Coisa interessante foi essa prova. Além do ocorrido com o painel de instrumentos, não tinha mais nenhum suplemento em casa, só comprei 6 GU na feirinha e levei mais 3 Roctane que estavam lá desde o Iron. Sem Accelerade, sem cápsulas de sal. Nada além de GU e água e uns dois goles de gatorade. E deu muito certo. Acho que a alimentação pre-prova conta muito em provas não tão longas. Não tive quebra além da corrida, não tive que parar pra fazer xixi. Tudo milimetricamente encaixado.

Percursos do garmin: Swim, Bike, Run. T1 muito lerda em 3:13 e T2 em 2:14, não sei pra que demorar tanto. Não tem cadência nem batimento. 4h37min26seg, 5º lugar na categoria e 61 geral, gostei. Muito. Por demais.

Depois de muito procurar encontrei a família toda que foi assistir a chegada, mas eu cheguei muito rápido hahaha. Meu pai levou a turma e ficamos por lá um tempo batendo papo com a galera e saímos pra almoçar depois de desmontar a tralha toda. Fomos pra Santo Antônio de Lisboa, comi um prato pra dois sozinho. É que o Arthur não quis a parte dele :-).

Fotos do Geraldo Gai, Rafael Bressan e Juliana Cunha. 


terça-feira, 26 de novembro de 2013

Polimento para o Dash 70.3

No próximo final de semana teremos a primeira edição de uma prova de meio ironman em Floripa. Muito aguardada e bem estruturada, essa competição promete se firmar no calendário. Então a semana que passou foi de finalização nos treinos e esta é de polimento. Já estava com saudade de uma polida :-).

Depois de algumas semanas de treinos tortos, viagens e outras coisas parece que os treinos das últimas semanas encaixaram. Magicamente tudo começou a funcionar. Ainda não sei o que esperar do Dash, mas vai ser legal. Não consegui fazer muitos treinos de velocidade na corrida, mas a natação voltou aos patamares do iron, o que já é bom. A bike está um pouco confusa com tanta MTB e serras em Urubici, mas acho que está legal com os treinos no rolo. Vamos ver.

O que importa é que é uma prova alvo, não é só um treino de luxo pro ironman. Não que isso me impeça de gastar até o osso, mas tendo o meio iron como objetivo, como foi com o 70.3 de Miami o ano passado, é diferente.

Buenas, fechamos a semana passada com a terceira 100% e olha que não faltaram desculpas para furar treino. Compromissos por todo lado, tudo milimetricamente encaixado. Na quinta saiu um treino de natação melhor do que a encomenda, tempos constantes nas séries de 100m até que tranquilos.

Sexta-feira um treino de corrida progressivo a cada 4 km com os últimos a pace de meia maratona. Só que eram em 'área urbana' e foi complicado, quase tropecei num cachorro e uma bicicleta quase bateu em mim (vindo na contra-mão na calçada). Mas valeu, o esforço foi progressivo pela FC então valeu.

Sábado um treino de transição com mar e bike. Mar estranho pacas, bem ondulado e com corrente. Virou rápido, o pessoal chegou antes e entrou com mar flat e saiu com bagunça, eu peguei tudo bagunçado. Depois o pedal foi no sol, 1h constante dentro de um bloco de 53 km.

Avisos na praia da Daniela.

Domingo saiu o longo na SC401. Saí de casa e fui até jurere e fiz duas voltas no velódromo. Vento doidão, girando pra tudo que é lado, era de leste, mas o vento de leste não se decide nunca. Peguei uma chuvinha depois de muito tempo escapando dela. Aí a transição de 5 km saiu tranquila. Testei um tênis novo e olha, se é isso mesmo descobri a pólvora. Muita diferença pra ser verdade. Depois de mais umas corridas eu confirmo, mas as impressões são as melhores possíveis. Tirei da caixa e corri sem meia, e nem percebi que estava calçando alguma coisa.

É isso aí, chegou a semana do polimento, uma só porque é meio e não inteiro. E não nula, claro, treinos com alguma intensidade e pouca distância que é pro corpo não cair no marasmo e ao mesmo tempo recarregar as baterias. Ontem foi uma corrida de 9 km que virou 12, encontrei o Maurício e mais uma turma malvada e me puxaram pra um intervalado mais eu fugi assim que pude. Hoje natação com séries complicadas, fazia tempo que não precisava anotar :-), e agora 40 minutos de rolo com um bloquinho em ritmo de prova. Tudo pra deixar a carcaça ligada na parada, que vai ser punk.

Ida pra ilha no longo de domingo, o tempo lusco-fusco já se anunciava

domingo, 17 de novembro de 2013

Dash, serra, treinos intensos e árvores

Feriado intenso ! 15 de novembro na serra deveria ter algumas coisas pra fazer e ar puro, previsão do tempo boa e sossego. Mas não. Muitos treinos e um monte de trabalhos no campo me aguardavam.

Sexta-feira acordamos com céu azul e um pouco de calor. Cortei um monte de grama e depois tive uma surpresa. A Daiane foi 'comprar umas plantas'. E aí apareceu com o carro abarrotado de mudas, 19 no total. De todos os tipos, pequenas e médias. O William me salvou e plantou 5, eu dei conta de 14. 

Aí lá pelo fim de tarde fui correr. Saí às 17:40 num calor incomum e logo estava correndo em Urubici sem camisa, coisa rara. Uma volta completa, aí achei o Hélio e William que tinham ido no outro sentido. 

Pista
Era um progressivo com os últimos 5 km em ritmo de 15 km. O que é bem forte. Um pouco de vento contra e bastante sol, mas saiu. Dá uma sensação boa fazer esses treinos ardidos.

Como sempre esses treinos difíceis, ainda mais encaixados em compromissos múltiplos, são feitos muito antes. Você tem que saber que vai fazer o treino, começar o dia já com aquilo definido, mesmo que não seja a primeira atividade do dia. Tem que priorizar. E aceitar que aquele ritmo vai doer, mas vai sair.

No sábado acordei cedo com o tempo esquisito, tinha chovido bem a noite mas às 7:30 tinha sol. Fui rápido, mas ao deixar o carro no posto já estava tudo fechado. Achei que era neblina e saí só de camiseta, sem meias. O sol não saiu e o vento estava gelado. Pés duros e insensíveis. Fechei 50 km em ritmo constante, embora constante seja algo complicado de manter com tanto sobe e desce e vento.

E depois ainda fui fazer umas cercas com umas toras de madeira de uns 30 kg. Cada buraco eram uns 10 min de escavação, de modo que acho que compensei a natação perdida. Pelo menos estava com o abdômen todo dolorido a noite...

Autódromo
Domingo era o treino chave. 90 km de bike e 10 de corrida, uma transição até que semi-longa. Saí mais cedo sob céu azul e 9 graus. Muito frio. Só que não levei muita roupa, só tinha a meia de compressão e uma camiseta comprida além do básico. Faltou algo pra orelha que quase congelou.

Tive que voltar nos primeiros 4 km até o carro pra pegar uma sacola plástica pra por no peito, o que foi bom porque fugi um pouco do vento contra logo no início. E aí foi seguir o percurso de sempre, um visual estonteante e uma montanha russa que quase não tem plano, é na verdade um terreno ondulado o tempo todo. E o vento sul estava lá na ida, aí na volta a favor ajudou, mas na segunda volta a coisa ficou estranha e ir ficou mais fácil. O que mostrou que o vento virou, o safado.

Terminei pedal bem estropiado e saí pra correr forte. Um pouco estranho no início, dores no pé todo. Percebi que não sentia os dedinhos de cada pé e fui indo tentando mexer os dedos enquanto corrida. Os dedos da mão também estavam duros de frio e ruins pra apertar os botoezinhos do garmin. Mas durou 1 km, logo aqueceu e entrei em ritmo moderado a forte, mas suportável e constante.

Lugar feio pra correr, uma estrada de 2 km e então terra, passando por rios, plantações e pastos. Acho que se pudesse só correria em terra batida. Foram três treinos muito bons para o Dash 70.3 no dia 1/12, só duas semanas para o meio iron. Depois é treino e mais treino de corrida, por que vem aí El Cruce Colúmbia !!!

domingo, 10 de novembro de 2013

XTERRA Floripa 2013, a relatividade dos tempos

Em 2008 teve um XTERRA aqui e eu não fui. Ainda não treinava triathlon e fiquei com receio da natação. Dada a prova de ontem, acho que fiz bem :-).

A prova foi na praia da barra da lagoa em Florianópolis. Chegamos lá bem cedo pro bike checkin e depois de arrumar tudo começou a chover e o céu pro lado do moçambique ficou preto. Aí saiu um arco iris e choveu de novo, com sol junto. Fui aquecer um pouco, água quente. Não percebi correnteza, mas nadei do lado dos molhes do canal da barra. Voltamos pra alinhar e largou na adrenalina de sempre.

Mar em fúria. Ondulação bem grande, não consegui ver a primeira boia em nenhum momento depois que enfiei a cara na água. Na respiração frontal, eram só um monte de gente subindo e descendo com as ondas, e nada de boia. Fui com o povo, até que vi uma boia pra esquerda. Ok, é a segunda boia, pensei. Só que logo veio um jetski dos bombeiros avisar que era pra esquerda, esquerda, esqueeeeeerdaaaaa !  Olhei pra eles e olhe pra trás, estava depois do canal já na frente do costão que ia pra galheta ! Ah lasqueira, lá se foi a natação. Mas se foi pra meio mundo, gente pra caramba no mesmo lugar. Rumamos pra primeira boia contra o que parecia ser uma corrente forte, pois estava perto e não chegava nunca. Depois pra segunda, aí então pra branca que marcava a saída da água. Ih, cadê a branca ? Na dúvida, mirei no canto da praia e no pórtico de largada que estava bem visível. Chegando perto vi a grande boia branca sendo chacoalhada na arrebentação. Natação bem desastrada.

A bola verde é o ponto onde o bombeiro nos impediu de nadar até a galheta.
A linha verde é o que deveria ter sido.
Saí da água pra pegar a bike que ficou na areia. Isso, área de transição na areia da praia. Tudo bem organizado e limpo, ao chegar lá a sapatilha já estava soterrada. Joguei as tralhas atrás da bike e fui embora. 2 km de ruas apertadas e então caímos na restinga depois do projeto tamar. E então nas areias. E eu não andava. Comecei a ser ultrapassado por meio mundo. Concluí que não sabia pedalar na areia, pois entortava a roda da frente o tempo todo. Aí entramos na floresta de pinheiros, singletrack excelente pra correr. Só que era pra pedalar. E continuei sendo ultrapassado, não entendi nada. Estava até bem. Mas ia aos trancos e barrancos, levando porrada o tempo todo. Até que lembrei dos pneus. Enchi na noite anterior. Meti 45 lbs em cada pneu, achando que iria voar. Mas fiquei quicando o tempo todo. A suspensão está ruim, então a roda da frente pulava. Uma hora quando levantei do banco pra passar numa raiz atravessada levei um 'coice do banco' bem nas partes.

Transição na areia com o Tanaka junto.
Segui apanhando e saímos no asfalto por 500 m, agora com chuva. Aí entramos de novo na floresta e ao passar numa descida com água voei por cima do guidão e caí de pé. O buraco era mais fundo do que a água deixava ver. Logo saímos na praia. Isso, praia de bicicleta. Resolvi murchar os pneus. Esvaziei um pouco e segui depois de quase derrubar um atleta, pois parei bem no meio da trilha.

Acho que existe no estatuto do XTERRA uma cláusula que obriga a ter empurra bike na prova. Sempre vemos essas fotos com caras enfiados na lama até o pescoço com a bike nos braços, sei lá. Mas foi requinte de crueldade e desapego ao equipamento alheio botar os atletas para pedalar nas areias do moçambique. Bem naquelas partes que é sempre ruim pra correr. Era um arrasta bike, pois a roda mal girava. E quando dava pra pedalar na areia semi dura a maré que estava alta e agitada vinha lavar a areia das bikes com seu sal característico. O barulho de coisa sendo lixada ao pedalar era uma delícia. E pedalar com a onda batendo nas canelas foi uma sensação ímpar.

Quase no começo da praia fizemos o contorno e entramos na floresta de novo pra mais uma volta. Agora pedalar nas raízes estava beeeem melhor. Só me preocupava as batidas que certamente estavam indo até o aro, pois acho que esvaziei muito o pneu de trás. Mais praia. Só que agora eu não estava mais puto como na primeira volta. Afinal, quem sai na chuva é pra se molhar. Já fiquei perdido em dunas gigantes com a bike em corrida de aventura, já caí inteiro dentro de uma lagoa de água parada com bike e tudo em outra, não seria uma areia que iria tirar a graça da prova.

Veja a escala a o tanto de praia... :-)
Aí o sol saiu de vez e voltamos pra T2 e dessa vez consegui pedalar no trecho de areia. Pneu cheio e areia fofa não combinam. A única coisa que incomodou o tempo todo na bike foi o pedal. Como é de plataforma de um lado e encaixe do outro, você precisa 'acertar' o lado. E como o circuito é todo técnico, é bem comum ter que por o pé no chão. E depois ter que reencaixar um pedal à milanesa não é fácil. Fechei o pedal numa média estonteante de 14,k km/h ;-).

Fiz a T2 com cuidado pra não sujar o pé, que estava relativamente limpo e lavado. Calcei o tênis sem meia e segui alucinado, agora era meu chão. Me perdi na natação e apanhei na bike, agora tinha que correr direito :-). Passei a ponte pênsil e segui pras trilhas morro acima, até a bifurcação com as paredes da barra e depois em direção à galheta, mesma trilha do mountain do onde deixei a palma da mão um mês atrás. Subi arfando e depois tentando correr na trilha técnica, aí desceu, subiu e despencou pra direita rumo à fortaleza da barra. Uma trilha que eu nunca tinha feito, sensacional. Descida direta em uma escadaria de troncos na terra, show. Aí veio o asfalto e sentei a bota, consegui correr bem. Cheguei num sprint e depois vi que ultrapassei o amigo do Panda, o Sérgio.

Essas provas off-road são diferentes no espírito. Lá as pessoas conversam, mesmo competindo. No topo da trilha vi que estava sem gel, levei um roctane que sumiu. Quando vi dois caras perguntei se tinham gel e um deles me deu um. Aí descemos conversando a trilha. Perguntei o nome e aí falamos da categoria, éramos da mesma. E tudo numa boa, seguimos trocando posições na trilha e no asfalto abri um pouco.

Chegada e aí fomos ver o estrago. Todo mundo reclamando das bikes, uns desesperados. Vi a minha e já estava com bastante oxidação visível na corrente. Fomos lavar nos chuveiros e então casa, mas antes comi um baita sanduba com chocoleite. Saí muito cedo, 5:50 e comi pouco. Fiquei realmente com fome boa parte da prova. Vi o resultado que foi 4º lugar, 2h56 para 33 km de prova, nota-se o tamanho da encrenca.

Muito interessante fazer uma prova sem referência alguma, tinha calculado até umas 2h30 :-).

E pra moer de vez o que sobrou hoje tinha um treino que estava à espreita lá na planilha. E eu fui fazer, conforme combinado. Realmente um treino mais mental do que qualquer coisa. Até acordei cedo, mas chovia fraco e ventava pra danar. Resolvi que não valia a pena sair na chuva, eram só 100 km e a previsão dizia tempo seco durante o dia. Não fosse o Dash obviamente não treinaria. Fiquei enrolando com o pequeno até às 10:00 e saí pra pedalar. Fui até canasvieiras, um vento nordeste miserável. Voltei até o Floripa Shopping pra fechar um percurso do Dash e segui até o final da vargem pequena, quando engatei o vento em popa até em casa. Quente, abafado e ventoso, e pra piorar, com restos de pernas e com fome. Mas o treino valeu muito, não foi indecente e consegui fechar a semana 100 %. Melhor não dava.

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Detalhes da organização.

Acho que nunca reclamei muito de organização de provas. Sempre tem o que melhorar, mas no geral quando noto uma 'linha' adequada, tudo bem.

Só que nessa teve muito furo. A começar da inscrição, que só abriu 1 mês antes, muito cara e ainda assim com o site fora do ar por vários dias. Sites confusos, sem informação nenhuma.

Um simpósio que atrasou uma hora. Informações do percurso só na véspera e ainda assim alterado na hora.
Um kit com uma camiseta de péssima qualidade. Pós prova com maça e água quente e nada mais.

Acabou que foi um evento com poucos atletas, várias pessoas me disseram que não se inscreveram por essas encrencas. Deixou bastante a desejar, não achei compatível com o nome por trás da prova.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Treino em Fortaleza para o XTERRA, que é preparação para o DASH

Se tem uma coisa que está divertida são as provas e treinos do segundo semestre. Tenho seguido a estrutura geral, mas os compromissos estão bem intensos e as provas variadas. Teve o cross triathlon, aí a meia maratona, o olímpico e então o mountain do em dupla. Nada a ver uma coisa com a outra :-).

Agora teremos o XTERRA no próximo sábado. Vamos ver como vai ser. Isso será prova treino para o 70.3 DASH Triathlon em Floripa dia 1/dez. Mais legal ainda.

Então, nesse fim de semana fui à Fortaleza para um casamento com a família e obviamente encaixei uns treinos. Na sexta-feira resolvi correr, mas estava podre da viagem e acordei tarde. Tomei café da manhã com muitas tapiocas e sucos locais e fiquei estufado, então acabei deixando pra sair só às 10:30. Um baita sol e céu azul e muitos coqueiros balançando.

Eu também queria testar correr lá. Uma curiosidade visceral ainda me persegue em relação ao Ironman Fortaleza. Pois saí a correr e logo estava ensopado de suor. Tirei a camiseta e segui com vento na cara e razoavelmente refrigerado. 32C em todos os termômetros. Não sei a umidade, mas o ar que entrava era estranho, parecia difícil de respirar. Depois com o vento a favor a coisa ficou feia. O sol nas costas me fez botar a camiseta, fui sem protetor e não queria virar um camarão antes da festa, correria o risco de me servirem no jantar. Aí ferveu de vez, muito calor e pernas pegando fogo.

Não vai ser fácil correr lá pra ninguém, pelo menos num dia como 1/11/13 foi. Os 12 km foram regressivos misturado com fartlek. Tomei um coco no percurso e mais dois quando terminei. Ainda bem que lá tem coco, poderiam servir isso na prova.

Depois tentei nadar, mas não deu tempo. Zero tempo livre sábado e domingo, exceto pelo BeachPark, que considero um treino funcional e de legpress forçado, escada pra todo lado e andança descalço por 5 horas devem servir de alguma coisas. Lugar show, brinquedos fantásticos, vale e visita, aquilo lá é impressionante.

Depois encaixei outra corrida, agora bem melhor. Saí às 6:20 e havia chovido, abriu um sol e choveu de novo, ventando sempre, tudo dentro de 12 km já num ritmo mais constante e moderado. Assim seria melhor correr o Iron.

Ótimos treinos, agora é engrenar essa semana do XTERRA, fazer a prova sábado e o treino de transição domingo de 100 km de bike com 7 de corrida. Vamos ver o que vai ser. Só sei que não vou pra brincar no XTERRA, o que sobrar pra domingo sobrou, mas o treino vai sair, ah se vai !

Qualquer sombra é sombra !

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Ultra Endurance

Esse assunto muito me interessa. No caso dessas duas notícias, por motivos diferentes: o primeiro pela bizarrice da prova, mas que apesar de tudo ainda me leva a pensar no desafio mental que é fazer isso. O segundo pela possibilidade disso acabar sendo benéfico no longo prazo, ou ao menos não destrutivo :-).

O cara simplesmente ficou 30 dias fazendo um ironman por dia. Inimaginável é pouco: http://www.everymantri.com/everyman_triathlon/2013/10/guiness-world-record-triathlon-race-report-30-ironman-races-in-a-row.html

Apesar de adorar provas longas de endurance, obviamente não faço isso sem pensar e nem estou alheio aos efeitos que isso pode ter no longo prazo (daí leituras como essas :-). É um livro, mas cada vez há mais evidências que o lado bom se sobrepõe aos malefícios: http://www.everymantri.com/everyman_triathlon/2013/10/beyond-training-are-extreme-exercisers-triathletes-crossfitters-destroying-their-bodies.html.

Se olhando superficialmente não parece natural treinar 'tanto' quanto fazemos para um ironman, por exemplo, como li esses dias, também não é normal trabalhar 15 horas por dia 6 dias por semana, se alimentar com porcarias, nunca fazer exercícios e dormir mal :-).

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Os Alpes

Estar naquela aresta de gelo e neve açoitada pelo vento, depois de quatro horas de escalada durante a madrugada, era a mistura da realização de um sonho com um estado de atenção quase catatônico. A GoPro presa entre o bastão e a mão direita foi o que salvou o registro daqueles instantes onde tudo era concentração. Um passo de cada vez, a piqueta alternada com o bastão, crampons firmemente cravados, todos os movimentos calculados. Friamente calculados, no sentido literal.


O início

Essa viagem sensacional começou 8 dias antes. Saí do Brasil sozinho no dia 2 de agosto rumo a Zurique. O Adriano foi no dia anterior, mas dada a confusão que a TAM fez, ficou preso em SP por 24 horas e ainda nos encontramos no aeroporto antes do embarque. Ele iria para Milão, aeroporto final da viagem, pegaria o carro alugado e todos nos encontraríamos já em Zermatt, base para o Mattherhorn e os treinos técnicos e de aclimatação. Os demais integrantes da expedição, Anastácio, Juan e Nilson já estavam há 4 dias em Interlaken na Suiça fazendo trekking e aclimatando.

Começando bem...
O voo pela Swiss foi tranquilo, tomei 4 garrafinhas de vinho e dormi muito bem espalhado em três assentos. Os únicos vagos no avião, grande sorte. Cheguei em Zurique às 11 da manhã de sábado 3 de agosto com a mochila cargueira, a de ataque abarrotada de tralhas e um haulbag entupido de equipamentos. Arrastei a tralha toda e peguei o trem para a estação central, não antes de comprar o ticket de trem para Zermatt. Na estação enfiei tudo num guarda-volumes e saí pela cidade à procura da loja para comprar as cordas, capacete e mais alguns equipamentos. Acabei andando um pouco pelo centro e pegando um bonde elétrico. A cidade já impressionava pela organização, mas o que me deixou perplexo foi o calor, 36 graus no termômetro e eu de bota e calça comprida. Voltei das lojas com as tralhas, soquei tudo no haulbag que já estava cheio e fui esperar o trem. Encontrei uma loja enorme com vendedores-escaladores que escalam o Mattherhorn como a gente escala o Cambirela. Troquei bastante ideia sobre qual corda usar, peguei várias dicas e a previsão do tempo. Não gostei da previsão.

Zurich 

Zurich
Caminho para Zermatt
Última estação
Subindo o vale
Dentro do vale
Montanhas à vista, talvez esse seja o Monte Rosa


Zermatt

A viagem pra Zermatt começou debaixo de chuva e céu carregado e depois foi melhorando. Atravessei praticamente toda a Suíça de norte a sul em pouco mais de duas horas de trem até a cidade de Visp, onde fiz conexão para entrar no vale que termina em Zermatt. As estações vão ficando cada vez mais próximas umas das outras e o vale cada vez mais fechado. Montanhas pontudas e nevadas já apareciam numa primeira visão dos alpes desde o chão. Eram realmente cristas afiadas. Fotografei o que pude, quase deixei um braço num poste ao bater foto pendurado pra fora da janela do trem e cheguei aproximadamente às 19 horas. Achei uma rede wifi e mandei mensagem pro pessoal que deveria estar no hostel ir me encontrar pra carregar as tralhas. havia uma mensagem do Anastácio: "pega um taxi elétrico". Andei uns 10 passos para fora da estação e tomei um susto ao ver a pontinha do Matterhorn, alaranjada pelo fim de tarde. Já da estação, de dentro do 'centro da cidade'. A montanha realmente domina tudo por lá, uma das mais bonitas e conhecidas do mundo. Todo montanhista um dia já babou em cima de uma foto do Mattherhorn, nem que seja na caixa do toblerone. Uma pirâmide perfeita, um dente de tubarão se erguendo a 4400 metros de altitude, 2800 m acima da cidade que fica a 1600 m. O Símbolo da Suíça é dividido igualmente com a Itália, onde é chamado de Monte Cervino.


Praça e estação de trem de Zermatt. Trilhas para todos os lados !
Ele, O Mattherhon !
Zermatt é uma cidade impressionante. Não é bem uma cidade, mas uma vila alpina com casas medievais mais acima no vale, pequenos prédios comerciais e casas com cara de cartão postal por todas as encostas, localizada no centro sul da Suíça na fronteira com a Itália. Não há carros à combustão na cidade. Tudo gira em torno das montanhas, para as montanhas. Tudo vem delas, o turismo de esporte e aventura move a economia. Impressionante andar por lá e ver crianças de 4 ou 5 anos com mochila nas costas e tênis de trilha, velhinhos e velhinhas fortes andando com bastão de caminhada por tudo quanto é lado e escaladores de todo tipo de botas de gelo, mochilas penduradas de piolet e cordas entrando nas padarias. Simplesmente tudo voltado ao outdoor.

O eletro-taxi me deixou no hostel com todas as tralhas e já encontrei a galera ao sair do carro. Nos organizamos e logo descemos pra jantar e encontrar o Adriano. Ele já deveria ter chegado, e o encontramos vindo com três mochilas rua acima. Tudo certo, exceto por uma pedra ter caído na estada e bloqueado a pista, fazendo com que ele tivesse que deixar o carro uma estação antes. A estrada acaba na estação de Tash, última estação antes de Zermatt e todos que vão de carro tem que deixar o possante lá estacionado e pegar um trem ou ir a pé por 6 km até a cidade. Neste dia ainda tivemos boas vistas do Mattherhorn totalmente limpo, coisa impressionante aquela montanha. Desesperadoramente linda.

Essa foto saiu minutos depois de chegar no albergue da juventude em Zermatt.
Choveu o dia todo e ás 20:30 olha só isso !
Na praça central antes de jantar colocamos o papo em dia e eu atualizei a turma da previsão do tempo que recebi na loja em Zurique. A vendedora que me atendeu já tinha escalado todos os 4000 dos alpes no inverno e verão. Me disse que a melhor janela para o Mattherhorn naquela semana era a segunda-feira, que depois o tempo ficaria horrível até sábado. Isso significava que teríamos que subir para o refúgio já no domingo, totalmente sem aclimatação e depois de 36 horas de viagem. Sem chance. Além disso, já tínhamos reserva para terça-feira. Ainda assim achamos melhor checar e liguei pra lá. A italiana me disse em alemão e eu entendi em inglês que não havia lugar no refúgio. Voltamos ao plano original e fomos escalar rocha no Riffelhorn no dia seguinte.

Riffelhorn

Saímos tarde da cidade. Pegamos um trem que ia até a estação de Rotenboden, a 2800 m de altitude, onde entramos numa trilha de 10 minutos rumo ao afloramento rochoso que era o Riffelhorn. Parecia muito simples, pequeno, fácil e perto. Mas como tudo em montanha, na verdade é maior, mais alto, mais longe e mais difícil do que parece à primeira vista.

Chegamos na base da face norte e vimos um pessoal escalando e descendo de rapel. Fomos até lá achando que a via de escalada era por ali, mas não. Ali era a via de descida. Os guias treinam com os clientes corriqueiramente naquele lugar para ver se os ditos tem aptidão suficiente para o Mattherhorn. Ficamos ali olhando o croqui das vias até um cara nos perguntar de que parte da Rússia nós éramos. Nos escutou falando e cismou que era russo. Explicamos que não, mas ele insistiu e pergunto sério pro Nilson de onde nós éramos na Rússia. Não entendi nada, mas deixamos o cara achando que o Nilson era russo. Logo uma dupla que aparentava ser de guias nos deu duas dicas, apontou a outra face e disse pra seguir as plaquinhas azuis na trilha até a base da via que queríamos escalar. Já começamos a ver como os guias são simpáticos e solícitos com quem não os contrata.

Contornamos todo o maciço por um caminho de encosta elevada acima do glaciar lá embaixo. Ao fundo, o Breithorn, o Monte Rosa e várias outras montanhas acima de 4000 m compunham um ambiente alpino espetacular. Estávamos finalmente começando uma escalada alpina. O ambiente parece que quer engolir você, a sensação de pequeneza e insignificância ali, apenas a 2800 m e tão perto da civilização, já se fazia presente. Éramos só nós na face oculta do Riffelhorn naquela tarde. O caminho não tinha nada de simples, uma sequencia de rampas, aderências e contornos de precipícios nos levou a uma passagem complicada que o Adriano e o Anastácio passaram em solo. Eu armei uma segurança para o Nilson e o Juan passarem e então nos reunimos na base da via Egg, um quarto grau com lances de quinto. Visual estonteante pra todos os lados, principalmente pra cima. Seis cordadas até o cume.

Lago na base do Riffelhorn
Começo da trilha para a base das vias
Glaciar  descendo do Monte Rosa
''''Trilha'''''
Mais trilha
Aqui o bicho pegou
Tanto que armei uma segurança 
Na base da via Egg, 6 cordadas 4º
Adriano ba base da via
O outro adriano no topo do Riffelhorn, agora um escalador de vias alpinas
Depois do Rapel
Já era bem tarde e com aquelas botas desajeitadas achamos melhor eu voltar com o Nilson e o Juan. O Anastácio seguiu com o Adriano guiando. Refizemos o caminho até a face norte e ficamos por lá esperando os dois aparecerem no cume. O Nilson preparou uns sanduíches gigantes, fui até a base da via de rapel, voltei, o Juan foi negociar água em espanhol com o alemão da estação de trem, tiramos fotos e mais fotos até que apareceram dois pontinhos se mexendo na crista. Fecharam a escalada lindamente passando pelo cume e descendo pela aresta oposta, uma escalada alpina à vista, só com um croqui vagabundo na mão, de botas de trekking e sem praticamente nenhuma margem pra erro devido ao avançado da hora. Espetacular.

Arrumamos todas as tralhas e começamos a caminhada de volta à Zermatt. 1300 m de descida numa trilha absurdamente linda. Um quadro pra cada lado que se olhava na luz perfeita do entardecer. É difícil dizer, mas aquela foi uma das trilhas mais bonitas que já percorri. Chegamos em Zermatt depois das 20 horas, bem cansados e contentes. Uma pizza com cerveja foi o jantar e arrumamos as tralhas para o dia seguinte, para a escalada do Breithorn, uma montanha de 4163 m que seria a aclimatação perfeita para as escaladas por vir.

O motivo do atraso da descida pra Zermatt
Mais motivos
E tinha hora que não dava pra continuar
Essa foto ficou terrível ! É o Breithorn, que escalaríamos no dia seguinte

Trilha. Esse é o Adriano.
Os caras se preparam para o inverno !
A trilha acaba mas os trilhos continuam !
Breithorn

O acesso para o Breithorn é um capítulo à parte. Pode ser feito na raça, andando desde a cidade em dois dias como uma escalada em si ou como um treino. Optamos pelo treino e fomos de teleférico até a absurda altitude de 3800 m. Se tem uma coisa que a Suiça faz bem feita são trens. Mas os teleféricos são perfeitos. É praticamente uma rede, com estações hubs e conexões, até uma viagem para o outro lado na itália pode ser feita pendurado. E quase nada pode ser mais caro por metro percorrido, a subida ao Mattherhorn Paradise, a estação no glaciar ao pés do Breithorn e da estação de esqui mais alta dos alpes saiu por 100 francos suíços por pessoa. Na subida fiquei pensando em como é que iríamos pro Glaciar se os cabos acabavam na parede rochosa lá em cima onde o céu faz a curva. Mas a mania de fazer túneis se equipara à de fazer teleféricos. Um túnel de 200 m por dentro da montanha nos leva até o outro lado dentro do Glaciar. Um lado de rocha e o outro de neve e gelo, com um hotel encravado dentro na pedra. Coisa tipicamente alpina.

Uma cabovia...
Um teleférico internacional
Zoom máximo e precisão milimétrica: o refúgio Solvay, a 4000 m no Mattherhorn.
Não sei como essa foto saiu.
A outra face do Mattherhorn, a montanha onipresente e mutante
Começamos a subida às 11 da manhã. Nos equipamos e fizemos duas cordadas, eu e o Nilson em um e o Anastácio, Adriano e Juan na outra. Seguimos por meio da pista de esqui desviando de esquiadores e lifts e saímos da parte demarcada rumo ao caminho marcado na neve. Uma galera das boas estava na montanha, gente indo e vindo. É o 4000 mais acessível dos alpes, por esse caminho pelo menos, pois como toda montanha lá, parece que foi esculpida à faca e tem faces pra todos os gostos, do quase-passeio-no-parque-em-dia-de-sol até as suicidas faces nortes totalmente verticais.

Chegamos ao cume em cerca de 1h40min. O típico eram 3 horas, o que nos deixou bem animados. Um visual de dar desespero lá em cima, cristas afiadas por todos os lados e montanhas a perder de vista na direção da Itália. Nossa primeira alta montanha alpina ! Uma bela escalada, bom ritmo, tempo espetacular o visual onipresente do sempre mutante Mattherhorn, uma montanha que tem uma cara por cada lado que se olha.
Cume !
Adriano no cume
A raça toda
GoPro sempre dá uns efeitos legais
A subida é looooonga !

Bem longa. E a neve estava empapada

Cume com os outros cumes atrás
A descida foi a pior parte. Era muito tarde, acho que 14 horas, e a neve estava totalmente mole e o calor terrível. Chegamos espalhados e estragados na estação. Voltamos cedo à cidade e fomos comprar alguma comida para o dia seguinte, alugar os crampons que faltavam, etc. Fomos na agência de guias e só consegui alguma informação lá depois de dizer que queria contratar um. Se chegar perguntando qualquer coisa você só ganha um dedo apontando para o mural que tem os telefones e nomes dos guias.

A menina foi bem objetiva quando perguntei quão precisa são as previsões do tempo lá. Very precise. Não tínhamos tempo para esperar, o refúgio do MontBlanc já estava marcado e pago há um mês, a viagem era cronometrada. Faz parte ficar à merce da natureza. Como o que não tem solução solucionado está, subimos no dia seguinte para o refúgio Hornli, na aresta de mesmo nome na face Suíça do Mattherhorn.

Mattherhorn

Segunda feira realmente tinha sido um dia perfeito, o único onde à tarde as nuvens não tamparam a montanha em nenhum momento. A manhã de terça foi melhor ainda. Saímos da cidade cedo de teleférico até Schwarzsee, a 2583 m de altitude, onde começamos a trilha de 3h30 até o refúgio. Enquanto subíamos rumo ao céu azul aquele dente de rocha ficava cada vez mais próximo. Uma galera vinha descendo, muito cedo, já tendo feito cume. Todos falavam que o tempo estava bom e ia piorar, igual à previsão. Mas tudo azul, igual a previsão. Ao meio dia o céu começou a fechar e a máquina de nuvens do lado italiano começou a funcionar. Igual à previsão.

Passamos por cristas, passarelas de metal encravadas na rocha, arestas e finalmente chegamos ao refúgio já com tempo feio, vento e começo de neve. Entramos e fizemos o checkin. Ficamos sabendo que não havia água corrente no refúgio e que não era permitido cozinhar lá dentro. Excelente notícia, ainda mais com a garrafa de 1,5 L cotada a mais de R$ 20,00 ;-).

Uma curva, mirante e lugar pra base-jump, tudo junto
Trilha equipada, não é bom escorregar
Pequenos que somos...
A trilha acaba e aparece uma passarela chumbada na rocha !
E escadas...
Chegando perto do refúgio Hornli
Montanhas por todo lado, pra todo lado que se olhe
Na boa, essa foto ficou espetacular...
A quantidade de elementos num mesmo quadro...
The Alps !
O famoso refúgio de montanha a 3200 m na crista do Mattherhorn
Percebemos o quão fechado é o negócio de montanha na Suíça. Os guias são extremamente fechados, não falam nem olham pra ninguém fora do grupo deles e os refugieros torcem o nariz pra quem vai sozinho. Um ambiente nada agradável que não é comum pra quem escala nos andes. Comercial demais, em alguns casos parece que os guias trazem os clientes na coleira durante a escalada, tamanha é o controle que exercem sobre eles. Haviam vários no refúgio, cada um com seu cliente. Poucos escaladores sozinhos, apenas nós, dois russos, dois casais da alemanha e mais uns perdidos.

Enquanto eu estava fazendo alguma coisa lá fora o Adriano veio dizer que tinha uma notícia ruim e uma horrível. A ruim era que a previsão do tempo realmente era confiável, a horrível é que todos os guias tinha desistido da escalada e descido. Até sábado não aceitariam mais reservas.

Fomos descansar um pouco, organizar as tralhas dentro do quarto. Não consegui dormir nada, a janela bem na minha cara dava visão completa para o Mattherhorn, que estava só um terço visível, o restante tampado em nuvens.

O tempo abriu novamente perto das 18 horas e eu resolvi sair um pouco. Fui até a base da escalada, a 10 min do refúgio. Esses refúgios nos alpes merecem um livro. Impressionante como as estruturas são robustas, construídas em lugares impossíveis. Apesar disso, ainda são caros mesmo para os padrões europeus, do leste pelo menos, de forma que onde é permitido muita gente ainda acampa. Espiei o começo da via, escalei os primeiros 15 ou 20 metros e me vi num lugar totalmente exposto, onde me ocorreu que eu não tinha avisado ninguém onde iria. Consegui sentir meio porcento da escalada, e vi que se tivéssemos tempo bom aquilo seria possível. Desci dali com todo o cuidado e encontrei o Adriano vindo. Logo vi o Nilson e o Juan saindo rumo ao Glaciar para procurar água. Fui com eles e encontramos uns búlgaros gente boa e ficamos lá batendo papo até começar a esfriar de verdade. Acabamos presenciando uma avalanche na face norte do Mattherhorn, logo acima do acampamento. Impressionantemente assustadora.

Voltamos com água e com tempo aberto às 21h cozinhamos o jantar nas mesas fora do refúgio. Batemos papo e a esperança do tempo melhorar fez todo mundo no refúgio se mexer e arrumar o material para escalar as duas da manhã.

A base da via que escalaríamos... às 20:30 havia uma esperança no céu...
Pro outro lado..
O primeiro lance de cordas fixas
Subi esse e mais dois acima. Escalei 15 metros do Mattherhon :-D
E depois fui ajudar a buscar água
A geleira ali ao fundo desmoronou legal nessa hora.
O acampamento dos búlgaros e russos.
Saca o lugar do jantar e o céu animador...
Acordamos às duas horas e dava pra ouvir o barulho do vento. Olhei pela janela e só via nuvens na noite escura. Barulho por todo lado, todos se arrumando pra sair. Levantei e a galera ficou nos beliches. Fui no refeitório e os dois russos estavam lá. Saí do refúgio só de camiseta e não senti frio. Mau sinal, calor em alta montanha é tempo ruim. Agora ventava pouco e não tinha neve caindo, apesar de ter uma neblina forte.

Voltei a entrar, comi umas torradas e falei com os russos. Não responderam à primeira pergunta e quando insisti um deles só disse que o problema era o vento, e como não tinha muito, iriam. Voltei pro quarto e ficamos confabulando. Momentos tensos e agoniantes. Estar tão perto de um objetivo... não poder tentar é o que mais me apavora quando vou pra montanha. Se eu fizer o possível, brigar um bocado, fico satisfeito mesmo se não chegar no cume, como no Chimborazo. Mas nem sair do refúgio... Falamos por um tempo e achei que tinha vistos luzes na crista do Mattherhorn. Deviam ser escaladores, mas estavam muito acima.

Logo percebi que eram relâmpagos. E veio o vento e começou assoviar forte de novo. Bastante vento e depois muito vento e mais relâmpagos. Ponto final, não iríamos e pronto. Pensando bem, fizemos o que podíamos. Treinamos direito, subimos pro refúgio com a previsão ruim, estávamos bem equipados. Como disse o Anastácio, um dia da montanha, outro do escalador.

Os russos que tinham saído logo voltaram e se enfiaram nas camas. Não lembro quem soltou: "se até os russos voltaram, é porque a coisa está russa". Foi gargalhada em português pra todo lado.

Quando eram 7 horas descemos para o café e logo arrumamos tudo pra voltar pra Zermatt. Começamos a descer pouco depois das 8 e a montanha estava totalmente tampada. Bastante vento na crista abaixo do refúgio, quase que o Adriano saiu voando. O chapéu decolou. Descemos até estação de Schwarzsee para pegar o teleférico já com alguma chuva. Só que não tinha teleférico. Lá tem estação meteorológica por tudo quanto é lado, e acima de 60 km/h de vento os teleféricos não operam. Teríamos que usar o velho método e descer a pé até o vale.

Descendo...
A cidade lá embaixo... isso a noite ficou muito bonito, pena que a foto não prestou

Até parece que é uma trilha na Suíça
Nisso passou uma galera correndo. Uniforme de escola, caras de 15 anos. Uma gurizada que veio da cidade e às 9:45 já estava 1200 m acima. Impressionante.

Descemos tudo até o vale, caminhada sob chuva e visual bucólico. Fiquei satisfeito com a tentativa e com gosto de que um dia tenho que voltar. Ou não. Tem coisa demais pra fazer. Ou não. No hostel arrumamos tudo e levantamos âncora. Good bye Zermatt. Eu volto sim, com certeza. Sim. Valeu muito a experiência. Os treinos serviam também para o MontBlanc e o lugar espetacular onde passamos esses dias por si só já valeriam a viagem toda. E tentamos. Subir com a previsão errada e ver todo mundo descendo não foi fácil, mas era o mínimo que podíamos fazer, tentar. E nos preparamos na noite anterior, saí do refúgio na madrugada. Não deu, tudo bem. O que não admitiria nunca era ter ficado na cidade e nem tentar. Tá bom assim.

Vai caber ???
Nossos equipos eram volumosos. O medo até então era aquilo não caber junto com a gente no carro, um pegeout 308 sw. Pegamos o trem na estação para Randa onde o carro estava e poucos minutos depois desembarcamos pontualmente. A duração da viagem é medida em minutos e é exata, pra variar, como tudo que é mensurado em tempo na Suíça. Até a hora da entrada do tempo ruim é certa.

O Adriano apareceu com o carro e começamos o processo impressionante de zippar 2m3 de tralhas e mais 5 viventes bem nutridos num carro. Milagrosamente teve espaço pra tudo. Voltamos pela estrada que serpenteia vale acima e logo estávamos indo rumo à Chamonix. A segunda metade da viagem estava começando sob chuva das boas.

Chamonix

Depois de alguns visuais de babar entramos na França sem perceber. Começamos a descer pra Chamonix, que fica a 1000 m de altitude. Encontramos o hostel com alguma dificuldade devido ao operador atrás do GPS. O lugar era aos pés do teleférico do Brevent, a montanha que fica bem em frente à Aiguille du Midi, e de cara para o Mont Blanc. Mas não vimos nenhum dos três, nada na verdade, só chuva fina e céu fechado de um quarta-feira cinzenta. Um calafrio me percorreu a nuca ao pensar naquele tempo até sábado, dia de ir para o MontBlanc.

O Nilson e o Juan foram achar uma lavanderia, afinal estavam na estrada uma semana a mais do que eu e o Adriano. Descemos para achar uma padaria e almoçamos. Andamos o centro da cidade e exploramos a vizinhança. Estar ali era estranho. Um lugar que eu leio e penso sobre há mais de muitos anos. Desde os tempos em que ficava entrincheirado na biblioteca da UFSC na hora do almoço lendo as National Geographic da década de 80. Eram os alpes sempre presentes. Na verdade desde Zermatt a sensação de estar pisando na história do alpinismo já era fato, mas estar em Chamonix, de onde partiram pra escalar o MontBlanc no absurdo ano de 1786 era realmente impressionante. O alpinismo tinha mesmo que ter nascido ali e ter esse nome. Não era realmente possível que alguém vivesse por muito tempo naquelas bandas sem tentar subir as agulhas e cumes gelados que teimavam em tocar o céu.

Chamonix sob chuva 
Rótulo sugestivo :-) ?
Isso com vinho me manteria vivo por 1 ano
Almoço
UTMB onipresente
Tempo abrindo 
Lá em cima...
O Mont Blanc visto desde o hostel, aos pés do Brevet
Ali me vi dividido. Como em Zermatt, flagrantes de provas de endurance. Lá era a ultraks, uma ultra de 46 km aos pés do Mattherhorn, já com placas de sinalização a uma semana da prova. Já em Chamonix a Ultra Trail du Mont Blanc, ou UTMB. Nos minimercados, farmácias e padarias, e obviamente em toda e qualquer loja de material esportivo, lá estava o folder da prova que aconteceria em 20 dias. Praticamente uma revista. Ali aprendi sobre provas que existem dentro do mesmo evento e ainda nessa viagem decidi que vou correr a CCC.

Voltamos pro hostel munidos de vinhos de três espécies e quando a luz da cozinha apagou fomos dormir. Telefonei (Skypeei seria mais adequado) pra casa. Saudade...

Na quinta acordei a hora que abri o olho. Chuva das grossas. Saímos pela cidade para achar o clube alpino. Que coisa organizada ! Impressionante. Ali a coisa era muito mais aberta do que em Zermatt. Os franceses tem uma lógica simples sobre as montanhas: estão ali para que as pessoas desfrutem. Informações bem claras, sem nenhuma exigência tácita de guias o tempo todo. Obtivemos previsões detalhadas e eram as melhores possíveis. Ânimo geral. Pesquisamos equipamentos, comemos baguete e queijo até não poder mais, almoçamos.

No fim de tarde não resisti e fui correr. Uma pequena abertura de céu azul era o que eu precisava, saí às 19:30 pra direita. Em 800 metros achei uma trilha subindo. O vale onde Chamonix fica é muito estreito. Não sei se tem 1 km de um lado ao outro, de forma que na encosta onde ficava o hostel era só subir um pouco e achar caminhos por todo lado. Segui subindo as trilhas perfeitas, enfiando os pés nas poças dágua sem medo. Bebi água transparente. Vi umas lebres e mais uns malucos correndo. Voltei depois de 40 min e quando vi estava em cima do teleférico ao lado de casa. Olhei pra frente e lá estava o MontBlanc aparecendo pela primeira vez, deveria ter vindo com a GoPro. Resolvi descer por ali. Uma trilha íngreme não é páreo para aquilo. Simplesmente despencava, não dava pra correr. Cheguei embaixo com os dedos dos pés doendo e as coxas pesadas, achando que tinha feito besteira. A subida do MontBlanc começaria em 36h. Mas entrei no hostel extasiado. Onde já se viu não correr em Chamonix :-D ???

Cozinhamos no hostel novamente, mais vinho e falar com a família em casa. No dia seguinte saímos para alugar botas e crampons. Acabei não comprando a bota na Suíça e ainda estava indeciso sobre ir com a minha de trekking que tinha me congelado os dedos no Licancabur. Acabei escolhendo uma Scarpa igual à que o Adriano alugou. Dez euros por dia, muito barato. Ele pegou um crampon também. Comprei uma mochila de ataque e um windstopper. Iríamos só como mochilas pequenas depois de aprender que os refúgio por lá tem até roupa de cama e serviço de restaurante. O problema foi me aguentar depois todo o tempo com aquela camisa de primeira pele da solo, um termopro que é uma beleza mas quente pra burro dentro do refúgio.

A sexta terminou logo depois do jantar. Falei com a base novamente, avisei que só daria notícias na terça-feira. Normalmente prefiro deixar uma folga do que criar expectativa e preocupação em casa.

Sábado amanheceu com céu azul e saímos cedo rumo à Saint Gervais, 20 km de Chamonix. Lá pegaríamos o trem que sobe até Nid d'Aigle a 2300 m e então começaríamos a caminhada. Fomos de carro e consegui errar o caminho um pouco, passamos ao lado da fábrica de testes da Quechua e finalmente achamos a estação. Deixamos o carro no estacionamento público e pegamos o trenzinho.

O negócio vai parando em várias estações até chegar no ninho da águia, com vistas impressionantes para a Aiguille du Gouter, o espigão de rocha que tem o refúgio pendurado lá em cima, algo surreal aquilo sob todos os pontos de vista. Chegamos em Nid e arrumamos as tralhas para começar a pernada. Uma trilha bem marcada, beirando o glaciar Bionassay até o platô do refúgio Tête Rouse, a 3100 m. Lá equipamos com crampons e piolet e seguimos numa encosta mais inclinada até o início do grand colouir, uma garganta de rocha e neve bem inclinada por onde despencam pedras o tempo todo. A falta de neve nos invernos e o rápido derretimento no verão tem criado um problema sério - em toda parte exposta recentemente em qualquer cadeia de montanha o que se tem é rocha 'podre', que esfarela e cai o tempo todo. Ali era o ponto mais arriscado da via, objetivamente falando. O risco estava bem ali e visível. Mas passamos tranquilos, apesar do avançado da hora (o ideal é passar cedo pois o sol ainda não está batendo na parede e o frio 'segura' as pedras no lugar).

Estação de trem para o Nid, em St Gervais a 500 m de altitude !
Nesse dia dormimos a 3860 m
Zoom no refúgio, parece uma nave espacial estacionada

Uma trilha de doer os olhos de tão bonita
Trilha
Essas vistas valem tudo e mais um pouco, acima das nuvens com os pés no chão...
Nos equipamos para passar conectados ao cabo de segurança e fomos em duas cordadas, uma de cada vez. Recolhemos todo o equipo no outro lado e começamos a subir o que pra mim foi a parte mais legal do dia: uma crista de rocha bem inclinada, uma escalaminhada sensacional com trechos de cabo de aço para ancoragem e visuais estonteantes para todos os lados. O refúgio ficava bem acima da cabeça, uma caminhada vertical.

Chegamos lá depois de 7 horas desde o trem, ali pelas 16h. Fiz o checkin no refúgio e fomos pros quartos descansar. Aí depois fui passear por fora daquela estrutura impressionante. A coisa toda foi construída em 2 anos para substituir o refúgio antigo, a uns 200 m de distância na mesma crista da Aiguili du Gouter. Uma obra de engenharia fantástica, feita de concreto, alumínio e madeira. Uma madeira linda, robusta e termicamente um perfeito isolante. O refúgio não tem aquecimento e fica um forno durante o dia. Foi construído todo embaixo no vale e então desmontado e transportado de helicóptero até ali. As fundações na rocha foram preenchidas de concreto pronto trazido também de helicóptero. Aqui tem um vídeo bacana.

Jantamos e logo fomos tentar dormir. O sol só se põe às 22:30 e só foi possível deixar aquilo tudo lá fora por saber que em poucas horas partiríamos para o cume. O combinado era acordar às duas da manhã e sair logo em seguida.

Muito difícil ir dormir com isso do lado de fora...
Na hora do 'café da madrugada' reunimos todos numa mesa e o Juan confirmou que não subiria, uma pena. Fiquei bem chateado por ele mas satisfeito por ele ter tomado a decisão que julgou melhor. O Adriano me deu outro susto quando começou a enjoar e dizer que não tinha dormido absolutamente nada. Não comeu coisa nenhuma, mas quando o vi na sala de equipamentos na saída do refúgio só perguntei se ele queria ir. Como a resposta foi sim, tudo bem. De um jeito ou de outro chegaríamos lá.

Equipamos completamente e saímos. Uma noite não muito fria, não estava muito abaixo de zero grau. Céu absolutamente estrelado e lá embaixo no vale dava pra ver as luzes da cidade. Impressionante como é perto e longe ao mesmo tempo. Resolvemos equipar em uma cordada só de 4 pessoas, evitaria carregar uma corda a mais e faria o grupo ficar todo junto, gostei da ideia. Só fiquei preocupado em termos que separar por alguma razão, mas eu estava equipado com um canivete e rapidamente partiria a corda em duas se fosse preciso.

Começamos a caminhar lerdamente para aquecer e logo as rampas inclinadas vieram. As luzes subiam todas em zigue zague pela encosta, e fui na frente encontrando um caminho mais lógico. Paramos com pouco menos de uma hora para descansar quando a inclinação diminuiu, quase no topo do Dome du Gouter, o primeiro falso cume que se vê desde o refúgio, na verdade ele mesmo um 4000 dos alpes. Acabei puxando um pouco mais o ritmo até ali pra aquecer e vi que o Adriano conseguiu comer um gel, tudo bem.

Seguimos então com o dia amanhecendo, uma coisa sempre única nas montanhas. Ali me deu uma sensação muito boa, praticamente tudo que fizemos na última semana, todos os preparativos da viagem e os treinos (no meu caso, só de condicionamento e nada técnicos :-) tinham aquela escalada como objetivo. Fui seguindo tranquilo e por vezes até assobiando uma musiquinha grudenta. Chegamos no refúgio Valoit, um contâiner de metal usado para emergências, a 4400 m de altitude. Na verdade dado o pico da temporada e a lotação dos refúgios, sempre tem bastante gente de fato pernoitando ali, mas para os padrões dos alpes é uma noite muito alta e normalmente o pessoal passa mais trabalho do que viesse do Tête Route por exemplo.

Passamos por mais um falso cume, descemos levemente e então chegamos na base da Bosses Rigde, uma aresta bem técnica e que já estava um pouco complicada pelo vento. Coisinha estreita, fui guiando com um precipício bem horripilante do lado direito e o sol terminando de nascer do esquerdo. Tivemos que botar os óculos. Mais uma crista e então um col e a aresta final do Mont Blanc.

O Adriano me passou 845 vídeos da escalada do Mattherhorn e do MontBlanc, vi youtube até não poder mais, mas nada se compara a ver com os próprios olhos. Que coisa espetacular. Duas respiradas a mais e seguimos pra cima, ali não dava pra ficar parado nem pelo exposto do lugar nem pelo frio desgraçado que estava. Era andar pra cima até chegar.

Entramos na aresta que se projetava pro céu sem deixar o cume aparecer. Muito legal seguir assim, só depois de muito tempo vimos um grupo lá em cima e então já podíamos ver tudo em 360 graus. Cume, momento mágico que é a cereja no bolo, pois o divertido e difícil é a jornada. E só é a metade. Apenas no vale é que se pode dizer que escalamos alguma montanha. Ficamos pouco tempo lá, açoitado que estávamos pelo vento. Pouco até demais, acho que nunca desci tão rápido de um cume, nem soltar as cordas e tirar as mochilas tiramos. Pra felicidade de todos a subida saiu em 4h45min, um tempo muito bom.

Começamos a descida com o Anastácio na frente e logo pegamos tráfego subindo. Momentos bem críticos ali naquela aresta. Tinha que se agachar com os pés pra fora da aresta pra outra pessoa passar, todos encordados com as cordas se misturando a crampons e piloets, nada saudável. Numa dessas eu fui deixar alguém passar e quando voltei à aresta tropecei e deu um capote pro lado de fora. Terminei seguro no piolet e enrolado na corda. Um pouco antes o Nilson caiu num buraco de neve e deslizou pra fora da aresta, mas eu consegui deter a queda facilmente. Descida sempre é algo arriscado, estamos mais cansados, já desfocados e é ali que as merdas mais acontece. Foco, foco, foco. Seguimos assim até o Valoit e então paramos para descansar. Ali resolvemos desencordar pois eram só rampas já conhecidas e agora de dia era muito mais tranquilo. O Anastácio e o Nilson foram na frente e fui depois com o Adriano, tiramos fotos até não poder mais, chegamos no refúgio depois de 7h45 de escalada.


Topo da Europa ! 4810 metros acima do nível do mar !
Brothers in the summit
Tivemos uma votação e confabulação nessa hora. Era possível descer, mas era tarde, estávamos bem cansados e descer o Colouir daquele jeito poderia dar encrenca. Resolvemos ficar (até porque a diária de 60 euros por pessoa já estava paga) e curtir mais um dia no refúgio. Só faltava um banho. Na verdade faltava só água corrente. Como não tem muita neve, o refúgio racionava água, só nas torneiras da cozinha. Nem nos banheiros, pois a privada era a  sucção como nos aviões. A técnica era sair do banheiro e descer os três andares até a parte externa, esfregar bem as mãos na deve para liquefazer a água e voltar.

Ficamos no refeitório, cada um desmaiado em uma mesa e então comi um omelete com coca-cola. Foi como injetar energia nos músculos. Depois fui dormir um pouco, ouvir música e esticar o esqueleto. Ali pelas 19 horas saí pra dar uma volta com o Juan, subimos a primeira crista e fizemos várias fotos. Ainda estava um sol de rachar, céu totalmente azul e muita gente ainda descendo lentamente da montanha, uns passaram bem destruídos.

Juan com a Aiguille du midi ao fundo
Agulha Bionassay, mais um 4000 dos alpes
Juan
Depois encontramos um português que nasceu em laguna/SC e que vive em Paris. Ele estava de férias e com a previsão boa resolveu vir correndo para tentar a escalada. Fácil assim ;-). Ele não tinha reserva no refúgio e ia fazer o que vimos uns caras fazerem na noite anterior: ficar no refeitório até às 3, quando quem vai escalar sai. Aí perde a cama, o sujeito se mete lá e descansa até umas sete e então quando os cuidadores do refúgio vão fazer a limpeza os caras saem pra escalar. Percebi isso quando desci as escadas para o café antes do cume e um cara me perguntou o número do meu beliche. Só os locais podem arriscar a fazer isso. Nós tivemos que reservar o refúgio um mês antes e acertar o dia, era tempo bom ou nada. Dessa ver foi tempo mais que bom !

Voltamos para jantar e então hora de dormir, e dessa vez dormi feito um tijolo, direto até às 6 e pouco e então começamos a descer em seguida. Crampons até o refúgio velho e então encaramos a descida da crista, bem legal. Na verdade muito doida aquela parte... De volta ao começo da travessia do corredor de pedras, vi que o Anastácio já estava do outro lado. Não quis esperar e foi como quase todos que passaram ali àquela hora, desencordado por uns trechos de neve mais acima. Como estava cedo o sol ainda não batia lá foi realmente mais rápido e seguro passar daquele jeito. Só não poderia escorregar e não conseguir travar, senão... Continuamos a descer passando o Tête e entramos na trilha de volta até o Nid d'Aigle. Lá reunimos o povo e pegamos o trenzinho de volta a St. Gervais. Ali finalmente acabou a escalada. Não termina no cume, só termina quando se está de volta ao vale ! Que pernada ! E que escalada sensacional, um privilégio.

Resgatamos o carro e fomos pra 'casa' em Chamonix. Foi um dia de recuperação ativa e descanso, além de arrumar as tralhas e separas as roupas inutilizadas em sacos hermeticamente fechados. Fomos ao centro de montanhismo pegar infos das escaladas em rocha. À noite saímos para tomar cerveja e comemorar mais.

Na terça-feira seguimos para o setor de escalada em Les Gaillands, uma área fantástica a 2 km do hotel. Antes fui alugar a sapatilha para rocha, pois esqueci a minha. E saí de lá preocupado e triste, a notícia na cidade era de um acidente na via dos três montes para o MontBlanc, duas italianas e um guia foram pegos numa avalanche depois de um desabamento de serác.

Seguimos para a escalada, um centro de atividades ao ar livre, com trilha para corrida, lagos, circuito de arvorismo e claro, um monte de vias esportivas num campo escola de fazer inveja. Cheio, muito cheio de gente, de todos os tipos. Todo mundo com livro de croquis das vias, gente chegando de roupa 'social', trocando e escalando uma ou duas vias e indo embora. Gente com criança bem pequena, gente bem velha. Como tudo por lá, a montanha está por todos os lugares na vida das pessoas.

Ficamos bastante tempo, eu escalei 3 ou 4 vias e incrivelmente guiei uma. Coisa genial escalar rocha no vale com o MontBlanc às costas, sempre lá, vigiando. Visual indizível. Chamonix é, digamos, SENSACIONAL.

Depois de voltar pro hostel não aguentei e fui conferir as trilhas que vi antes. Voltei correndo pela cidade e logo estava no parque novamente, entrei na primeira trilha que vi e fui até bater 7 km. A vontade era continuar, já estava em Les Houches. Um rio do lado deixava a floresta totalmente úmida e cheia de névoa no sol de fim de tarde. Acho que se pudesse ficaria ali correndo até acabarem as pernas... De volta ao hostel saímos de novo para circular pela cidade, vimos uma apresentação de rock com um gurizinho destruindo na bateria e a loja da north face com os kits da ultra trail du mont blanc em exposição.

Adriano subindo pelas paredes
Escalando !
Hora do rango
Cumbre !
Mont Blanc ao fundo !
Lyon

Aí então decidimos que era hora de turistar e quarta-feira saímos de carro rumo à Lyon, no sul da França, onde chegamos lá pelas 14 horas. Turismo convencional de fim de escalada é sempre bom. Achamos ruínas romanas na terra do asterix e fomos pernar pela cidade. A cidade tem uma parte antiga medieval que é muito bonita, com vielas e ruas com escadarias que não acabam nunca, um labirinto onde nos perdemos algumas vezes antes de achar um lugar pra almoçar.

A quinta foi o dia livre e descobrimos que era feriado nacional, tudo fechado. Não dava pra ir em nenhum museu. Descobri isso quando sai para correr às 8:30. Fui até o parque Tête d'Or e dei uma volta completa para então retornar. Achei estranho o trânsito tão calmo mas ainda assim saímos do hotel dispostos à conhecer o segundo maior museu da França depois do Louvre. Mas o desgraçado estava fechado. Tudo estava, então estabeleci contato com o Adriano, que estava no hostel e marcamos de encontrar no ponto de bicicletas na igreja St. Jean. Lá pegamos eu e ele mais o Nilson três bikes urbanas e andamos a cidade toda por 3 horas.

Depois de rodar por tudo eu já estava esfomeado além da conta e achamos um restaurante ótimo na praça principal. Ficamos ali até quase às 19 horas e the end, foi começar a voltar. Arrumei as tralhas e soquei tudo que não precisaria na mochila cargueira, fiquei só com a pequena com roupa pra um dia e coisas miúdas.

Vista da parte antiga
Ruína romana na gália
Tem tempo, essa pedra...
Restos de colunas de mármore
A parte antiga, subidas e ruelas estreitas
Almoço 
Noturna
Ponte de pedestres
Ponte de carros. Rio Rhône
Basílica, impressionante por dentro
Saímos de Lyon bem cedo na sexta-feira rumo a Milão, onde pegaríamos o voo de volta. Dirigi pelos quatrocentos e poucos quilômetros de auto estradas, parando pra almoçar sanduíche na praça da cidadezinha italiana de Susa, realmente um lugar muito sossegado. Depois de vários pedágio e túneis e visuais de parreiras chegamos no aeroporto. Abastecemos o carro um pouco antes e então foi só despachar a tralha toda, despedir da galera e pegar o voo da Luft pra Frankfurt. De lá segui pro Rio e então pra casa, finalmente, sábado às 10 da manhã. Saudade monstruosa.

Conheci Frankfurt
Uma viagem que há tempos queria fazer, escalar nos alpes. O alpinismo só poderia mesmo ter nascido lá. Não tem como não achar impressionante aquelas montanhas, que apesar de já extremamente 'civilizadas' ainda são montanhas e são selvagens. E são afiadas e pontudas, e aquele mar de gelo é hipnotizante, mas também é mortal. É preciso respeitar. Um resultado excelente em todos os aspectos. De uma paulada só escalei e corri nos alpes. E o bichinho para correr uma ultra lá foi plantado.

Um fato muito marcante pra mim aconteceu num jantar que cozinhamos no hostel logo ao voltar do MontBlanc. Estávamos na maior algazarra na cozinha, e realmente os demais estavam mais quietos. Até que um sujeito veio nos mandar 'calar a boca'. Assim bem seco, num inglês perfeito mas não nativo. Estranhamos todos, achamos esquisito e continuamos a falar alto, mas com moderação, tentando adivinhar qual era a do cara e de onde ele vinha. Até que o cara veio de novo pra perto da mesa fazer não sei o quê e o Anastácio perguntou se estávamos incomodando muito. O cara se desculpou, disse que não, etc e aí entrou no papo. Era israelense e estava fazendo um curso de escalada alpina e iria escalar o que encontrasse pela frente. Ficou um pouco impressionado quando dissemos que escalamos o Mont Blanc sem guia e depois perguntou se éramos amigos viajando juntos. Respondemos que sim, claro, eu e o Adriano éramos irmãos e os demais todos amigos. O cara comentou algo que não lembro as palavras certas, mas foi parecido com "puxa, espero um dia quando ficar mais velho poder fazer uma viagem com amigos assim, deve ser muito legal". Fiquei matutando naquilo. Era realmente um privilégio sem tamanho.

Ouvi muitas vezes que não deveria ir para essas viagens de montanha, mas nunca da minha família, meus pais. Você tem que fazer o que lhe acrescenta. A vida não é só pra ser sobrevivida, mas vivida. E isso envolve sonhar. E depois ousar e realizar. O que me lembra de um email do meu amigo Alexandre, que eu acho que vou guardar por muito tempo... aqui um pedaço:
...
Tenho visto algumas fotos pelo face da Simone. Que show hein!!! 
Não tem como não me emocionar, afinal minha vida inteira admirei e "viajei" muito curtindo fotos nas paginas da National Geografic, e de repente tem o meu amigo lá, nas mesmas fotos que muitas vezes na vida achamos inacessível. PARABÉNS meu velho, não só pela conquista do pico, mas principalmente pela atitude de mostrar que é só sonhar e depois tirar do papel. É só ir lá e conferir ao vivo. 
...

É isso.

Adriano, eu, Nilson, Anastácio, Juan, The Expedition Team !
O Filme !





Valeu ! Até a próxima...