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quinta-feira, 6 de março de 2014

El Cruce Colúmbia 2014

O fotógrafo é bom !
El Cruce, Cruce Colúmbia ou Cruce de Los Andes. Vários nomes ao longo do tempo para uma prova mutante que nunca repete o trajeto, exceto por sempre ser nos Andes meridionais. Aqui está o relato de uma corrida única. Uma prova que mistura montanha e corrida de caráter expedicionário e competitivo ao mesmo tempo. Três dias onde se vive e se respira corrida, em meio a 2800 atletas de trinta países, todos insanos, imundos, destruídos, empolgados, felizes, cansados, esfomeados e extasiados. Estranhamente, eu poderia me acostumar a isso :-).

O percurso é sempre diferente totalizando cerca de 100 km em três dias. 'Cerca de' é a medida exata, como veremos. Uma organização impressionante, com logística distribuída geograficamente, mas que não evita alguns erros primários como ficará claro em breve. Erros que não tiram em nada o brilho de uma prova como essa, que tem a capacidade de fazer com que todos façam o seu melhor, do campeão da elite ao último colocado. Aliás, é uma prova eclética. Divide-se basicamente em três tipos de público: A Elite, aqueles seres extraterrestres que nos espantam e o resto, dividido em dois sub grupos: os mais competitivos e treinados e os mais contemplativos cujo desafio é completar a distância. E tem espaço para todos.

Relembrei muita coisa escrevendo esse relato. Demorou mas saiu, espero que gostem e o mais importante, que seja útil e estimule outras pessoas a se jogarem nessa experiência única que é correr El Cruce.

Indo

Buenas, começamos o Cruce no aeroporto de Floripa. Saímos daqui eu e o Anastácio e já fomos encontrando o povo indo pra lá, o Gilliard, a Izabel e mais uma galera. Me despedi da Daiane e do Arthur e embarcamos. Escala em SP, Buenos Aires e então 12 horas depois chegamos em Bariloche. Um frio de rachar pra quem estava vindo de três semanas acima de 33 graus, e na manhã seguinte, os 7 graus com vento patagônico nos davam as boas vindas num céu azul. O taxista comentou que era o dia de verão mais frio em trocentos anos, os cumes ao redor do lago Nahuel Huapi estavam cobertos de neve, ao contrário do que veríamos na volta.

Qualquer semelhança com a North Face e a UTMB é mera coincidência :-)
Bariloche
Anastácio fingindo que não estava frio
Bariloche
A prova foi anunciada com início em Puerto Varas no Chile e Chegada em Villa Angostura na Argentina. Como já passei por aquela estúpida fronteira por terra, desenhei a logística perfeita: iríamos por terra para Varas, passando as duas infames alfândegas na ida e na volta estaríamos já 'imigrados', restando ir pra cidade beber e comemorar. Só que a coisa começou enrolada, e pra resumir, levamos 10 horas de ônibus com quatro parada, um descarregamento completo de bagagem e duas aduanas para percorrer cerca de 300 km entre as duas cidades. Coisa linda de se ver. Burocracia inacreditável.

Toda a bagagem do bus pra fora pro cachorro cheirar

La Patagônia

Em Puerto Varas o ônibus nos deixou direto no hotel da prova, pegamos o kit e fomos pro nosso hotel deixar as tralhas e procurar um lugar pra jantar, o dia tinha sido a base de maçãs, amendoin, água e uma empanada. Falando em kit, é disparado o melhor que já vi, vem com uma primeira pele de manga comprida, um polartec 200, um buff, camiseta de prova, um par de meias e um par de caneleira de compressão, chip de cronometragem, bandeira com nome e número, uma caneca térmica, prato de madeira pra churrasco e uma manta de sobrevivência, se não esqueci de algo. Praticamente tudo usamos na prova.

Na quinta-feira dia 6 choveu canivete e ventou o dia todo. A prova tem duas categorias, solo e duplas. As duplas não revezam, tem que correr juntas, e largam um dia antes da solo. Isso é feito para facilitar a logística dos acampamentos e diminuir a população nas trilhas, mas faz com que a organização na verdade faça seis provas diferentes em 4 dias. Um desafio e tanto. Então enquanto descansávamos na cidade, que é bem bacana, na orla do lago Llanquihue, com excelentes hotéis, lojas de equipamentos, agências de turismo e vista de vulcões, as duplas encaravam o dia mais chuvoso de todos os Cruces de todos os tempos.

Puerto Varas
Jantar pré-largada, o lago parecia mar
Neste dia também contactamos os amigos que estavam na aventura de correr El Cruce, que sempre começa bem antes da largada. O Marco e o Fábio perderam a conexão em Santiago e trocaram para o solo, a Izabel acabou não recebendo a mala e também teve que correr de solo na última hora. Junto com o Marco veio mais um grupo de atletas encalhados em Santiago, alguns que já iriam no solo e outros em dupla. Todos, sem exceção, encararam a encrenca com positividade e deram um jeito de continuar. Coisa que só atleta de cabeça forte consegue fazer.

Dada a logística da prova, descobri que teríamos que pernoitar no hotel apenas com o material de corrida. Mais nada, todo o restante deveria ser entregue na mochila que seguiria para os acampamentos. Explicando: o Cruce tem 2 acampamentos separados, e esse ano as largadas dos primeiros e segundo dias eram afastadas da cidade e campo 1, respectivamente, de onde seguimos em uma caravana de ônibus até as largadas. Então, na quinta a noite deixamos todo o material num caminhão e fomos pra o congresso técnico vestidos de corredor. No hotel só ficou a mochila de hidratação com tudo que usaríamos na prova. Nem escova de dentes sobreviveu. Dormi vestido para correr.

O congresso foi um show a parte. Muito claro e direto e com uma sequência de vídeos que faria até um sedentário convicto ter vontade de levantar e sair correndo (não que existisse um naquele ambiente...).

A prova

No dia 7 acordei às 5:00, desci para o café e encontrei o xará carioca que conhecemos no dia anterior e então saímos os três pela rua em direção ao centro. O hotel não era bem localizado, ficava 2 km afastado da muvuca, então fomos andando até o lugar de saída dos ônibus, que deveriam começar a sair às 6. Só que às 5:40 já passavam vários, e entramos no primeiro que vimos.

A viagem foi de 1h30 até a margem do Lago de Todos os Santos aos pés do Osorno. Chegamos lá sem chuva, pouco vento e muito frio. Algumas breves aparições das encostas nevadas do Osorno me deixaram mais pilhado do que o normal, e tive que fazer visitas extras ao banheiro químico. Que tinha muita fila. E depois ainda fiquei lá comendo, conversando com todo mundo e fui achar o Anastácio para alinharmos para largar.
Área de largada. Não exatamente da corrida.
Alguma vontade de abrir o tempo
Aí veio a surpresa. Sabíamos que a largada tinha uma faixa de horários, sem qualquer controle, era ir lá, alinhar uma quantidade de gente adequada e largar. Só que o 'adequada' era muito pouco, largavam 10 de cada vez e estávamos no final do corredor de largada. O resultado é que largamos às 9 horas, mais de uma hora e meia depois dos primeiros. Parecia inofensivo, mas não era.

Dia 1

E finalmente largamos ! Um alívio, imaginei os textos do Amyr Klink onde ele dizia que o mais difícil era a preparação para a viagem, partir mesmo que para um enorme desafio era um alívio. Guardadas as devidas proporções, achei parecido. Nunca tive que viajar tanto pra largar numa corrida :-).

Começamos na praia de pedras vulcânicas à beira do lago e em 1 km engarrafou tudo. A vegetação cheia de espinhos ia até a água, e todos enfileiravam para passar debaixo dos galhos, etc. Cheguei a ensaiar ir pela água, que era na altura da coxa, mas desisti por não saber o que estava por vir e pelo frio. Foi um erro, deveria ter enfiado o pé na jaca logo de saída.

Depois de 2 km com pace médio de 9 min/km finalmente a praia abriu e consegui correr direito, para logo em seguida começar a subida do Osorno. Uma pirambeira vulcânica bem empinada. Quando a inclinação pediu saquei os bastões, engatei a reduzida 4x4 e subi tratorando tudo. Não estava ofegante nem com batimento elevado, então subi forte até o o ponto mais alto, onde os staffs mandaram todo mundo por o cortavento. E precisava, um vento gelado com chuva vinha bem de frente por 2 km de um plano no topo.

Na descidona do primeiro dia... acho que não estava calor...
Ali guardei os bastões, comi alguma coisa e segui correndo rápido pra fugir do vento. A Grande Descida veio em seguida. Uma descida impressionante de 10 km contínuos de pouca inclinação onde era possível correr fácil a 4:30-4:50. Encontrei o Piu de Curitiba e seguimos no mesmo ritmo, totalmente conservadores sem forçar nada. Aí está uma coisa única do Cruce: como o percurso muda sempre, não sem tem referência nenhuma de nada. Não dá pra analisar altimetria ou tempos do ano anterior, não dá pra saber o que tem que guardar pro dia seguinte, qual o tempo médio da faixa etária. É ir no instinto e ver oque acontece, tem que confiar.

Ao final dos 22 km havia um posto de apoio, água, gatorade e frutas. Comi alguma coisa, bebi mais ainda e segui rápido, empolgado e achando que fecharia com menos de 5 horas aquele dia, afinal pelo perfil altimétrico a pior parte já tinha ficado para trás. Só que não foi bem assim.

Logo começou um trecho extra punk. Uma trilha bem aberta, um bosque fantástico. E uma lama do outro mundo, preta, pegajosa e profunda. Um pé de cada vez, não consegui correr praticamente nada por vários kms. Depois veio um trecho mais aberto corrível e mais lama. Um carioca passou voando feito um louco morro abaixo, berrando 'brasileirada tem medo de levar tombinho é ?!, impressionante. E aí mais lama e então o momento bizarro do dia. A organização colocou uma corda numa encosta bem inclinada de barro que terminava num rio. Eu desceria aquilo esquiando sentado nos calcanhares, mas tinha a corda. E tinha uma fila. Organizaram a fila, uma pessoa de cada vez. E a fila cresceu, de modo que fique 18 min parado e teve relatos de 2h30 no mesmo lugar para o povo que vinha mais atrás. Só não me ferrei completamente porque subi o Osorno feito um louco e consegui correr relativamente rápido na descida de 10 km. O Anastácio que veio logo em seguida ficou 45 min parado, só para ter uma ideia da encrenca.

Depois disso apertei bem o tênis e saí correndo com lama pela canela, desesperado pra acabar aquilo. Não acelerou nada e consegui usar músculos que não sabia que existia, cada passo a perna arregaçava pra um lado diferente. Mas como não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe, a lama terminou ! Entramos num campo de grama alta e flores fantástico, subimos mais uma encosta e vimos o lago Llanquihue lá embaixo ! E na margem, um monte de pontinhos azuis e um círculo amarelo grande, o acampamento !!!! E era só descida. Muita descida.

Neste percurso e em todos os outros, você vê muito pouco staff nas trilhas. Só mesmo no pontos mais técnicos e em travessias de rios. E mesmo assim, houve zero chance de errar o caminho, é tudo sinalizado perfeitamente. Incrível o trabalho de preparar e marcar tudo aquilo.

Voltando à corrida, a suplementação tinha acabado e só sobraram as castanhas. Andei pra comer, filmei e passaram duas brasileiras correndo, o que me fez guardar as castanhas e me mandar. Despenquei morro abaixo e o garmin virou o km 36. Não, não faltavam só 3 km até o camp, fechei o primeiro dia com 42 km e 6h6min, destruído, aliviado, feliz e impressionado com a estrutura do acampamento, sob sol forte.

No campo fui buscar a mochila e identificar a barraca, levei as tralhas pra lá, espalhei tudo dentro na 'minha metade' e fui pro lago tomar banho e lavar as roupas. É, não tem uma máquina de lavar, chuveiro quente, geladeira nem uma gaveta cheia de roupas limpas. Você vai lá, entra com roupa e tudo no lago congelante, arranca a lama com as mãos e esfrega as coisas até ficar 'limpo', põe pra secar, volta descalço pisando em espinhos e vai tentar arrumar comida.

Fim do dia 1

E tem muita comida. Uma tenda de bebidas com refrigerante, chá, água e cerveja, outra com batidas de frutas com leite e as massas com churrasco. Almocei bem às 15:30 e fui pra barraca. Lá encontrei um invasor. Na verdade eu era o invasor, a barraca foi dada pra duas pessoas, então fui lá ver e a minha estava errada. A organização apontou outra perto e tive que mover todas as tralhas, mas pelo menos ficou próximo a turma de extraviados em Santiago e do Marco e Fábio além de uma turma de Gaspar-SC bem animada.

Churrasco
Aí fui lá procurar o Anastácio e o achei pegando a mochila. Fui pra barraca e logo reunimos a turma toda, um ambiente fantástico que só se vê em montanhas e agora no Cruce. Nada se compara a aquilo em termos de camaradagem e de semelhantes desconhecidos que se encontram. Um povo que corre Iron, escala o Aconcágua, XTerra, corre o Desafrio, Praias e Trilhas e faz Audax. Entrei na fila pra massagem e fiquei conversando com uma alemã de Munique que mora em Buenos Aires. Figura de 60 anos, faz tudo que é prova no mundo, gasta todo o tempo livre e dinheiro nisso e vive feliz da vida.

Neste dia soubemos das encrencas que as duplas passaram no dia anterior. Não dava pra acreditar que estávamos no mesmo lugar, com sol, quente e tudo seco apenas 24 horas depois. Ficaram lá alagados, com frio de rachar e muita gente hipotérmica, muitas dezenas de duplas desistiram.

Dia 2

Uma noite espetacular parecia anunciar um dia equivalente na manhã seguinte, mas às 5:40 o diretor de prova passou rouco pelo acampamento com megafone mandando deixar a mochila nas barracas antes de ir tomar café da manhã. Tinha chovido e o céu estava fechado.

Lá na praça de alimentação ouvimos a notícia de que não largaríamos no trecho 2 oficial. Ao invés disso, ficaríamos ali mesmo para um percurso alternativo. As duplas tiveram sérios problemas e não conseguiram passar no percurso todo devido às chuvas na parte alta (estavam a 2h30 de ônibus mais 30 km de trilhas do nosso acampamento).

O lado bom é que ficaríamos no mesmo acampamento, com lago e estrutura melhor comparado do segundo. O ruim é que o percurso seria cortado para apenas 'cerca de' 20 km. Mas seria 'divertido' e com altimetria. Não gosto de ficar 'devendo' distância em prova nenhuma, imagina nessa.

Os caras realmente se esforçaram e trabalharam feito louco, cuidando de duas provas simultâneas (nosso segundo dia e o terceiro das duplas). Mas erraram feio ao não perver isso. No congresso técnico já haviam divulgado a possibilidade de corte do cume do vulcão no terceiro dia devido à presença de gelo duro na crista do casablanca. Viram a destruição que foi o primeiro dia das duplas. Precisavam ter um circuito alternativo pronto.

Mas foram arrumar um percurso e anunciaram que largaríamos por volta das 13 horas. Aí eu fui comer macarrão lá pelas 11 horas, e no meio tempo ainda fiquei lendo na barraca e cochilando. As 12:45 fui pro pórtico de largada. E então a largada aconteceu quase às 15 horas. Eu já estava pensando que deveria ter forçado mais no dia anterior, e decidindo como fazer ali, pois correr às 15 uma morreba de 20 km para correr novamente na manhã seguinte... como equacionar isso ? Do jeito fácil: resolvi socar a bota e pronto, vai que acontece alguma coisa no dia seguinte também...

Música, livro, comida, saco de dormir. Lembra aclimatação em montanha.
E então ficamos lá confabulando e conversando esse tempo todo, e quando fui no banheiro pela terceira vez (tomei muito gatorade acho) ao sair vi todo o povo já indo embora... O Fábio também ficou pra trás e largamos no meio do bolo, mas por sorte era uma estrada larga no início. Os 20 km viraram 18, com metade subindo e metade descendo, muito legal. Até que arrumaram um circuitinho bacana na correria toda, mas a desinformação atrapalhou. Teve gente que não almoçou pois achou que largaria às 13 e ficou oco até às 15.

Largada do dia 2, esperar nesse sol foi ótimo.
Corri a subida praticamente toda e na descida pra variar fui muito ultrapassado. Incrível como aqueles argentinos despencam ladeira abaixo. Mas o inacreditável mesmo são os líderes. Como era vai e vem, vimos os desgraçados descendo. Não é possível, devem correr a 240 ppm, eles vêm bufando e fazendo força como se estivessem subindo. Não espanta o animal que ganhou ter feito em 1h12 min !!! Eu levei 1h48 porque subi forçando...

Chegada do Anastácio
Parceirão de muitas roubadas, correu como nunca !
Fim de mais um dia, o lago estava menos gelado e até nadei 20 metros depois de lavar as tralhas, que dessa vez não sujaram muito. Só que esqueci de botar pra secar e larguei com tudo molhado no dia seguinte... Esse fim de tarde foi espetacular. Céu totalmente azul e o Osorno aberto, um por do sol laranja e frio, ficamos com a galera toda esticados na grama tomando cerveja e falando besteira, o Anastácio apareceu com um baralho de truco e o povo ficou por ali de vez. Jantei duas vezes e fiquei perto da fogueira conversando com o fotógrafo. Quando ele foi embora, disse que iria para Antillaca, o local do campo 2, o percurso seria o terceiro oficial ! Fui dormir empolgado, ainda que sem nenhuma informação da organização. Perto das 23 horas o diretor de prova já sem voz nenhuma falou algo no sistema de som, basicamente ainda não sabiam se correríamos a cratera do casablanca devido a presença de gelo (estava realmente frio ali a 200 m de altitude, imagina lá em cima).

Um por do sol sensacional... gastei um bom tempo ali...
Dia 3

Buenas, no terceiro dia acordei cedo e fui pro café, aí então fui deixar a mochila no caminhão (dali ela iria pra chegada) e entrei no ônibus que nos levaria até o campo 2 em 2h30 de percurso. Ainda choveu no caminho, em 20 min passamos de céu azul a chuva, mas foi limpando à medida que subimos e quando descemos dos ônibus estava um frio de rachar (ou eram as minhas roupas úmidas) e céu de brigadeiro. Nesse trecho quase que fui em pé no ônibus, parece que três quebraram no dia anterior e tentaram me enfiar sentado no corredor. Sem chance, saí e fiquei na porta do outro esperando.

A largada foi muito estranha. Ao entrar no acampamento uma staff me disse que largaríamos às 10:30. Aí ao me aproximar do pórtico às 10:10 vi que já tinha gente largando. Escaldado de duas largadas no fundo, fui lá pra frente e larguei nas primeiras ondas. Só ali, em cima da faixa é que fui ouvir de outra staff que o percurso seria o original menos a cratera do vulcão. Não parecia ter gelo nenhum, só umas faixas de neve, mas cortaram mesmo assim. Acho que foi também devido ao adiantado da hora, pois o previsto era largar do próprio campo 2 às sete e viemos de latão do 1 e só começamos a largar às 10.

Me perdi do povo e não vi ninguém, larguei sozinho e forte pra caramba. Corri uns 5 km morro acima sem parar e peguei os bastões numa rampa mais inclinada abaixo de um teleférico de esqui. Foi como ter tração dupla, subi de novo tratorando e passando todo mundo. Logo depois do topo veio uma descida forte em encosta e vi uma estrada lá embaixo no vale. Olhei a altimetria e vi apenas 500 m de ascensão, fiquei achando que seria só aquilo mas 'felizmente' logo subimos outra rampa de pedras vulcânicas e aí a brincadeira ficou séria. Terreno altamente técnico, blocos de pedras, dunas de brita vulcânica, cristas e descidas fortes para então entrar numa floresta espetacular.

Dentro de uma cratera

Eu mereço alguns minutos a menos no tempo por essas imagens...

A floresta mais corrível que eu já vi

Aquilo ali deveria ser locação de comercial de tênis de corrida. Um bosque perfeito e um trilha larga e totalmente perfeita para correr em todos os sentidos. Segui quase que rindo, filmando e curtindo a corrida. Mas a perfeição durou pouco, na parte mais baixa do vale tinha muita água na trilha, várias árvores caídas e pedras, além de lama em boa quantidade. Ali já tinha aprendido a correr na coisa pegajosa ao conversar com o Chico Santos no almoço do primeiro dia: vai pelo meio, corre como se a lama não estivesse alí. Deu algum resultado. Despenquei montanha abaixo e só parei uma vez pra arrumar o tênis. Foram cerca de 15 km descendo sempre, um percurso espetacular.

A chegada foi no meio da trilha, numa clareira que dava para uma estrada de terra. Ali o chip de crono era computado e fomos colocados num ônibus para ir até a chegada 'oficial', basicamente um baita campo com tendas de alimentação, pódio, etc. Lá havia outro pórtico de chegada com fotógrafos e câmeras, mas achei bem estranho chegar não chegando, tendo chego de verdade em lugar nenhum.

Almocei, peguei a mochila principal e troquei de roupa, fiz a saída do Chile no posto policial instalado ali mesmo para facilitar a logística de quem ia para a Argentina. Encontrei o Anastácio e nos despedimos da galera antes de ir para o ônibus. Mas ainda estávamos no Chile, de modo que ainda havia uma fronteira para fazer. E isso nos custou outra novela, uma burocracia burra que nos fez sair às 17 horas e chegar em Bariloche só às dez da noite. Não dá pra entender essa mania sul americana de complicar as fronteiras.

Uma vez em Bariloche ainda encontramos tempo pra achar uma cervejaria artesanal que foi visitada três vezes e fizemos a trilhinha do Cerro Campanário na manhã antes de pegar o vôo de volta junto com o Fábio Leme, também conhecido como "oito e meia", para diferenciar do Espíndola de Floripa :-). Foi outra pernada longa com pernoite em Guarulhos devidamente acantonado debaixo dos bancos.

Mais um cume patagônico no currículo do Anastácio, graças e minha genialidade
O Lago ! Bariloche sempre sencional.
Viagem, montanha, corrida, acampamentos e amigos malucos reunidos, só posso dizer que foi excelente ! Agora vamos ao próximo desafio. Antes só preciso arrumar tempo para editar o vídeo, ainda não consegui ver todos os pedaços, que dirá editar o longa-metragem, mas vai sair. Até mais.

Praça de alimentação do Cruce com a galera reunida
Tomando conta do campo 1
Dados técnicos

Aqui estão os tracks do GPS dos dias 1, 2 e 3. Como o percurso sempre muda, não vai servir pra nada a não ser registro do que foi. Como já falado, a alteração do dia 2 reduziu em muito a distância e altimetria da prova. Isso fez com que eu forçasse o que não forçaria naquele dia, talvez tenha impactado no terceiro. Além disso, o primeiro dia com aquilo tudo de lama e mais 3 km foi totalmente fora do planejado e tive que adaptar o ritmo. Terminei com o tempo total de 11h01min15seg na 77ª colocação na categoria sub-40 anos e 112 geral dentre 1102 concluintes, sendo o 14º brasileiro. O que dá a entender que os argentinos, que dominam em quantidade, correm pra caramba e estão todos com menos de 40 anos :-).

Não tive dor nenhuma exceto alguma muscular logo após as provas, que resolvia na tenda de massagem ou no lago gelado. Incrivelmente consegui consertar de vez o tendão de aquiles correndo o maior volume que já corri, em morros e trilhas.

A suplementação foi bem simples: carbup em pó diluído em água, mariolas e capsulas de bcaa durante a corrida. No primeiro dia também comi um punhado de castanhas e duas bananas com gatorade no posto de apoio. As quantidades de carbo foram no esquema 0,7gr/kg/h e deu certo.

Sobre os equipos, esta prova exige um bocado. Do tênis à mochila, é preciso selecionar com cuidado o que será usado, pois além de ser no fim do mundo, o fato de ser um dia depois do outro e mais outro correndo faz com que qualquer problema apareça e seja amplificado. Nisso, o resultado foi melhor do que a encomenda, tudo 100% perfeito.

Usei o Salomon Sense Mandra, um tênis low drop espetacular (O Dakota Jones também usava um hehehe). Bermuda de competição com bolsos laterais e a camiseta da prova nos três dias, alternando o corta-vento e a camiseta primeira pele em função do clima. Também corri com meias de compressão todos os dias e foi show.

A mochila foi a Quechua Extend, que surpreendeu. Conseguir enfiar nela corta-vento, polartec, primeira pele, manta de sobrevivência e saco de bivaque, óculos escuro, boné, bolsa dágua de 2L, GoPro e castanhas além do par de bastões preso por fora. Não dá pra acreditar que cabe aquilo tudo, e quando você esvazia, volta ao tamanho minúsculo normal.

A tralha toda coube na mochilinha preta.. exceto a lata do carbup, claro.
Falando em corta-vento o que usei também foi excelente, um top de linha da Quechua muito leve, logo sai um review dele. O bastão também é fundamental. Embora tenha usado pouco, se pagou totalmente na subida do terceiro dia onde engatei a reduzida, olhei pra cima e só parei no topo de uma subida deveras empinada e enorme. Usei um modelo da Aztec não regulável, feito de duralumínio conectado por elásticos (como armação de barraca), com 240 gr o par. Forte e leve.

Além das coisas de corrida, corri também com a GoPro, as garrafinhas de gel, RoadID, Buff da prova e boné e um saco estanque com o passaporte, dinheiro e cartão. Uma tralha danada mas que foi toda utilizada, nada sobrou (exceto as castanhas no terceiro dia e a grana ;-).

Campo 1, Osorno !

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

El Cruce

Uma corrida como o Cruce de Los Andes ou El Cruce Colúmbia não é qualquer coisa. A logística é inimaginável para os organizadores e para nós corredores também tem seus detalhes. Em outro país, durante 3 dias só com o que você se lembrou de levar, com muitos itens obrigatórios na mochila. Essa é a única prova em que eu já vi um capítulo do regulamento falando sobre as formas de abandono... em determinados pontos, não se pode abandonar :-).

Uma  coisa que me deu trabalho foi o tal saco de bivaque. Um apetrecho para passar a noite ao relento, para o caso de algum imprevisto ;-). Comprei o negócio, agora é socar na mochila.

Partimos amanhã cedo, via Bariloche e então Puerto Varas na quarta-feira. Vou fazer um review da lista de materiais quando volar, porque vou te dizer, dessa vez a tralha é grande. Por enquanto é isso pessoal, o blog ficará aqui quietinho até a volta, atualizações pelo facebook, instagram ou twitter.

Um abraço e até a volta.


quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Notícias da NatGeo

Vamos aparecer na National Geographic, HAHAHA.


Todas as trilhas da costa da lagoa

Domingo passado fizemos um treino excelente com a galera do Pé na Lama. Uma turma fissurada por trilha, coisa rara de se ver. Saímos da igreja do canto dos araçás (que eu não sabia onde era) depois da galera esperar o meu atraso e fomos até o começo da trilha aquecendo.

Começamos a correr bem cedo ainda, mas já calor. Depois de passar a entrada para Ratones decidimos seguir até o posto 23, troca do revezamento do Mountain Do, que fechava mais ou menos 10 km do início. Essa trilha não é de graça, não tem muita altimetria até ali mas tem pouco trecho rápido, é um sobe e desce constante e curto, praticamente um serrote :-).

Ali decidimos separar a galera, a turma que tinha que fazer menos kilometragem voltou e eu segui com a Débora Ultra Power Woman para Ratones, com a ideia de voltar pela outra trilha, fazendo numa paulada só as duas morrebas que ligam o norte da costa da lagoa com Ratones.

Subimos morrendo de calor aquela pedreira toda e no cume começamos a correr numa trilha de pinheiros toda fechada espetacular, pra mim o melhor trecho do percurso. Descemos até o bairro e seguimos pelo asfalto rumo sul para engatar na outra trilha. O calor estava cruel e parecia que exalava do asfalto. A Débora atacou um bar pra comprar algo gelado e enquanto isso aproveitei pra fazer uma parada fisiológica de alta complexidade.

Seguimos e logo pegamos a estrada de terra e então começamos a subir a outra trilha. Caímos na trilha da costa de novo e voltamos pra base. Fiquei com pânico de calor e me joguei no primeiro pedaço de córrego que me coube. Foi um alívio. E então seguimos trôpegos e chegamos na estrada de calçamento até a igreja, que foi percorrida num pace espetacular e desesperador de 6min/km.

Eu tenho percebido que os paces estão podres nestes longos de domingo. A pancada do fim de semana é forte e o calor anda azedo (longo sexta, transição completa sábado e outro longo mais comprido ainda domingo). Isso está sendo bom para conhecer as possibilidades, mas me surpreende. Nem no iron e no final do desafrio era tão difícil manter o pace. Mas a experiência conta e eu sei que isso é derivado do cansaço acumulado (espero). E melhor, mostra a pedreira que vai ser o terceiro dia do El Cruce Colúmbia !!

Galera treinando forte !
Ponto 23, costa da lagoa.
Foi um belo treino, 28 km e 1000 m de subida acumulada (consegui esquecer de disparar o GPS no início).

domingo, 12 de janeiro de 2014

Integralizando as corridas

Novidade estes treinos de corrida. Um em cima do outro, não dá tempo de cansar e já começa de novo. Estou surpreso com o estado que fico depois, bem inteiro, e também com a lerdeza que saem os ritmos.

É preciso desapegar do pace... toda hora me pego pensando "ah não, esse pace não, volta pelo menos pra uns cinquinho por km...", mas não volta. Os pés doem, a sede nesses dias de forno ligado fala alto e as pernas parece que tem peso extra dentro.

Quarta feira fiz o primeiro intervalado desde há muito tempo, acho que antes de novembro. E foi dos grandes, 14 km com 4x2 km em pace progressivo até meia-maratona. Os paces saíram bem no alvo, o que mostra que com um dia de descanso ainda há velocidade nessas pernas.

Aí quinta foi um treino de rolo de endurance, nada demais, e preparei pra sexta fazendo mais uns funcionais. Sexta eram 22 km, o que já é longo pros padrões de gente normal, mas não, tinha um mais longo ainda domingo. Assim, fiz na boa pra preservar as partes para sábado. Só que eu não contava com a astúcia da Daiane, que preparou ostras com camarão de jantar, claro que acompanhado de espumante. Acho que faltou um pouco de carboidrato e sobrou álcool.

Sim, porque sábado cedo eu estava acabado e não fui fazer a transição. Só que não queria deixar a corrida de lado, o bloco do final de semana era importante, então pedalei de MTB e depois fui de carro pro horto fazer voltas até fechar 12 km. Foi o treino mais lerdo da história, 12 km a passo de tartaruga manca, me senti oco o tempo todo, e só tinha um gel jogado no porta-trecos do carro desde não sei quando. Comi no km 4 e me arrastei até o fim. Aí fui na padaria e tomei um litro de suco, 3 pães com queijo e mais um chocoleite.

E domingo foi a paulada mor. Confesso que estava curioso pra ver se sobreviveria a uma semana com 88 km de run. E saiu... Fui de casa até o koxixos e depois subi o morro da cruz. Descobri um parque municipal novo e já abandonado (?) lá, entrei e fiz as trilhinhas todas e desci o monstrengo todo torto. Toquei de volta, entrei pelo estreito, subi tudo que é morrinho até fechar a distância, 28 km de puro deleite. Mas saiu. E com o morro no meio os morrinhos empalidecem, mas eles eram malvados. O que me leva a supor que esse negócio do Cruce vai realmente doer. Hoje fechou perto de um terço da altimetria do dia mais fácil e com apenas 28 km. Coisa linda.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Corridas, muito prazer !

Estou tendo uma grata surpresa nos treinos para o Cruce. Eu não gostava e correr em dias consecutivos, desde sempre. Só que a base está bem legal, e os treinos tem saído muuuito bons. É uma fase diferente de aprender a correr lento e indefinidamente, acumular corrida em cima de corrida, porque lá em fevereiro, dia 7 mais especificamente, começa a pancadaria patagônica.

Semana passada nadei no dia 31 no mar, às oito da noite. 2 km pra fechar com chave de ouro 2013. Foi o leve que teve. Quinta uma bike de VO2Máx no rolo de arder as orelhas e sexta já uma corrida de 18 km. Essa corrida foi sensacional.

Subi o vale do rio dos bugres em Urubici, uma estrada de terra rural margeando o rio e as plantações. Chuva torrencial da metade em diante e música no iPod, corri como há tempos não corria, não lembro de ter olhado no garmin muitas vezes, comi uma mariola e 250 ml de água e cheguei como se não tivesse corrido. Mas fiquei com a lombar travada até sábado a tarde, o que resolvi capinando uns matos safados. No fim de tarde depois que a chuva parou fiz um giro de MTB de 30 km tranquilo mas num frio desgraçado para época, 13C pra quem saiu de 35 é dose.

Poderia correr até cair as pernas nessa estrada...
Domingo foi um treino fora do normal. Fiquei pensando nas opções e resolvi ir até a cascata do avencal. Foram 5 km de asfalto plano pra ir, depois mais 1 subindo direto e então 5 em trilha ondulada, um espetáculo. Tive que ir com o GPS emprestado do William pois consegui deixar o meu ligado a noite toda. Alguns cachorros selvagens deram o toque de adrenalina na ida, e o visual da cachoeira gigante deu a endorfina para a volta. Testei também a mochila de hidratação Extend 12 da Quechua, que é a que usarei no Cruce. Muito boa, breve o review. 

Cascata do Avencal, 80 m de água despencando
E agora a porca torce o rabo. Essa semana tem 86 km de corrida e a próxima 92. Não sabia que cabia tanta corrida numa pessoa em uma semana só, vamos ver o que me aguarda.